domingo, 21 de dezembro de 2008

Prática espiritual

Quantas pessoas são necessárias para transformar a sua vida em uma prática espiritual?

Não se incomode caso o parceiro não queira cooperar. É através de você que a sanidade, ou seja, a consciência, consegue chegar a este mundo. Você não tem de esperar o mundo se curar, ou alguém se tornar consciente, antes de poder alcançar a iluminação. Pode ter de esperar para sempre. Não acuse o outro de não ter consciência. No momento em que a discussão começar, é sinal de que você passou a se identificar com uma posição mental e a defender não só aquela posição, mas também o seu sentido do eu interior. O ego está no comando. Você acabou de ficar inconsciente. Às vezes, isso pode servir para apontar certos aspectos do comportamento do parceiro. Se você estiver muito alerta, muito presente, pode agir sem o envolvimento do ego: sem culpar, acusar, ou fazer o outro se sentir errado.

Se o outro se comportar de modo inconsciente, abandone qualquer julgamento. O julgamento tanto serve para as pessoas confundirem o comportamento inconsciente com quem elas são de verdade, quanto para projetar a própria inconsciência sobre a outra pessoa a se enganar por causa disso sobre quem elas são.

Abandonar qualquer julgamento não significa não reconhecer a disfunção e a inconsciência quando se depara com ela. Significa “ser o saber”, e não “ser a reação” e o juiz. Você não vai nem querer reagir ou poderá reagir e ainda assim ser o saber, o espaço no qual a reação é observada e onde ela se permite existir. Em vez de brigar com o escuro, você traz a luz. Em vez de reagir a uma desilusão, você vê a desilusão, mas, ao mesmo tempo enxerga através dela. Ser o saber cria um espaço nítido de presença amorosa que permite a todas as coisas e pessoas serem como são.

Não existe maior catalisador para que a transformação aconteça.

Se você adotar essa prática, o outro não conseguirá ficar com você e permanecer inconsciente.

Se os dois concordarem em fazer do relacionamento uma prática espiritual do casal, tanto melhor.

Podem contar ao outro os pensamentos e sentimentos tão logo apareçam, ou assim que uma reação desponte, de forma que não haja tempo para surgir um espaço em que uma emoção não dita, ou desconhecida, ou uma queixa, possam se agravar e se desenvolver. Aprenda a ouvir o parceiro de um modo aberto, sem reservas, Dê ao parceiro espaço para se expressar. Esteja presente. Acusar, defender, atacar todos esses padrões destinados a fortalecer ou proteger o ego ou a atender às necessidades dele irão se tornar supérfluos.

Dar espaço aos outros – e a si mesmo – é fundamental. O amor não consegue florescer sem isso. Quando você tiver removido os dois fatores que destroem os relacionamentos e o seu parceiro tiver feito o mesmo, vocês vão sentir a alegria do desabrochar do relacionamento. Em vez de refletir o sofrimento e a inconsciência, em vez de satisfazer as necessidade mútuas viciadas do ego, vocês vão refletir para o outro o amor que sentem lá no fundo, que surge com a realização da unidade de cada ser com tudo o que existe. Esse é o amor que não tem opositores.

Se o seu parceiro continua identificado com a mente e com o sofrimento, mas você já libertou deles, vai ser um grande desafio. Não para você, mas sim para ele. Não é fácil conviver com uma pessoa iluminada, ou melhor, é tão fácil que o ego acha extremamente ameaçador. Lembre-se de que o ego precisa de problemas, disputas e “inimigos” para fortalecer o sentido de separação de onde tira sua identidade. A mente do parceiro não iluminado ficará profundamente frustrada porque não encontrará resistência às suas posições rígidas, o que significa que ela vai se tornar insegura e enfraquecida, além do “perigo” de essas posições desabarem todas juntas. Resultando na perda do eu interior. O sofrimento do corpo pedirá uma resposta, mas não irá contê-la. sua necessidade de discussões, dramas e disputas não será atendida. Mas atenção: algumas pessoas que são fechadas, retraídas, insensíveis, ou distanciadas dos sentimentos podem imaginar que são iluminadas e tentar convencer os outros disso.

Elas podem sustentar que não existe “nada errado” com elas e que o erro está no parceiro. Os homens têm mais tendência a agir assim do que as mulheres. Talvez vejam suas mulheres como irracionais ou emocionais. Mas, se você consegue sentir suas emoções, não está muito distante do radiante ou interior que está logo ali sob elas. Se você age mais com a cabeça, a distância é muito maior e você vai precisar colocar emoção no corpo antes de poder alcançar o corpo interior.

Se não houver uma emanação de amor e de alegria, uma presença completa e uma abertura na direção de todos os seres, então não é iluminação. Outro fator indicativo é o modo da pessoa se comportar em situações difíceis ou desafiadoras, ou quando as “coisas vão mal”. Se a “iluminação” é uma ilusão egóica do eu interior, a vida logo vai lhe aprontar um desafio que fará aflorar a inconsciência sob qualquer forma – medo, raiva, defesa, julgamento, depressão, etc. Se você estiver em um relacionamento, muitos desses desafios vão se manifestar através do seu parceiro. Por exemplo, uma mulher pode ser desafiada por um homem indiferente, que vive quase exclusivamente em seu próprio mundo. O desafio está na inabilidade dele em ouvi-la, em não dar a ela atenção e espaço para ser alguém, decorrente da falta de presença dela. A ausência de amor no relacionamento, que normalmente é mais percebida pela mulher do que pelo homem, vai desencadear o sofrimento na mulher. Através dele, ela vai atacar o parceiro; culpando-o, criticando-o, atribuindo-lhe os erros, etc. Agora o desafio passou a ser dele. Para se defender contra a agressão desencadeada pelo sofrimento dela, que considera totalmente sem razão, ele vai se aferrar, cada vez mais, às suas posições mentais, enquanto se justifica, se defende ou contra-ataca. Isso, no fim, pode até mesmo vir a ativar o sofrimento dele. Quando as duas partes foram dominadas, é sinal que atingiram um nível de profundo inconsciência. Isso não vai ceder até que as partes tenham se abastecido. Até que tudo volte a acontecer.

Cada desafio como o que descrevi acima contém uma oportunidade disfarçada para atingirmos a salvação. Por exemplo, a hostilidade da mulher pode se tornar um sinal para o homem sair do seu estado identificado com a mente, despertar no Agora, estar presente – em vez de ficar cada vez mais inconsciente. Em vez de “ser” o sofrimento, a mulher poderia ser o saber que observa o sofrimento emocional em si mesma, acessar o poder do Agora e iniciar a transformação do sofrimento. Isso iria evitar a projeção compulsiva e automática do sofrimento para o mundo exterior. Poderia expressar seus sentimentos para seu parceiro. Naturalmente, não há uma garantia de que ela vá escutar, mas é uma boa oportunidade para ele se tornar presente e quebrar o ciclo doentio de uma representação involuntária de seus velhos padrões mentais. Se a mulher perder essa oportunidade, o homem poderá observar a sua própria reação emocional e mental ao sofrimento dela, a maneira como ele se coloca na defensiva, em vez de ser a reação. Poderá então identificar o momento em que começa o seu próprio sofrimento e trazer consciência às suas emoções. Assim, um espaço de consciência pura, claro e sereno, passaria existir – o saber, a testemunha silenciosa, o observador. Essa consciência não nega o sofrimento e, mais que isso, está além dele. Permite que o sofrimento aconteça ao mesmo tempo que o transforma.

Ela tudo aceita e tudo transforma. A mulher poderia facilmente se juntar a ele nesse espaço, através da porta que acabou de ser aberta.

Texto extraído do livro O poder do Agora – Um guia para a iluminação espiritual - Eckhart Tolle – Ed. Sextante.

Eckhart Tolle se formou pela Universidade de Londres, tornou-se pesquisador e supervisor da Universidade de Cambridge, Atua como conselheiro e mestre espiritual, trabalhando com grupos na Europa e na América do Norte.

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