segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Exercícios para controlar a ansiedade

Como dominar a ansiedade
Por Marjorie Umeda

Viver com a mente agitada, aflita com o que pode acontecer entre o agora e o daqui a pouco e com a sensação de que alguma coisa está errada. Sentir a respiração acelerada e o coração batendo mais forte.

Todo mundo já passou por isso. Por mais incômodo que seja, não há mal em experimentar um pouco de apreensão e expectativa em momentos específicos, como aquele que antecede um novo trabalho.

“Na dose certa, a ansiedade nos impulsiona e nos ajuda a buscar soluções para os contratempos”, diz Leonardo Gama Filho, psiquiatra, chefe da psiquiatria do Hospital Municipal Lourenço Jorge, no Rio de Janeiro.

O problema aparece quando, dia após dia, sem um motivo aparente, você é vítima desses sintomas. Sentir um misto de medo e agitação tem o seu valor e garantiu a evolução da nossa espécie.

“No tempo das cavernas, por exemplo, a ansiedade sinalizava que era hora de tomar uma atitude – se defender ou atacar”, explica Mariângela Savóia, psicóloga do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Nos dias de hoje, entretanto, o risco iminente de ser surpreendida por um animal selvagem não existe mais, ainda assim, por causa das tarefas a cumprir e dos papéis a desempenhar, muitas de nós vivemos com a sensação de que o perigo está à espreita. Segundo dados do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, 25% da população tem, teve ou terá o transtorno de ansiedade – sendo que há três mulheres para cada homem com o problema.

Esse quadro aparece quando o sentimento fica fora de controle e pode se manifestar na forma de fobias ou até mesmo como a síndrome do pânico. Os sintomas são fisiológicos (como taquicardia e falta de ar), comportamentais (quando você evita lugares e pessoas) e psicológicos (uma sensação de inquietude). Entre uma leve apreensão e o transtorno diagnosticado, existe um estado intermediário – e é desse que vamos ajudá-la a sair. É aquela ansiedade que não compromete profundamente a sua vida, mas atrapalha as relações, porque você vive sob tensão.

O desconforto aumenta sempre que se sente mais requisitada, como no fim do ano. Se está nesse estágio, calma, ainda dá para virar o jogo. Coloque em prática as dicas a seguir e passe a encarar a vida com mais equilíbrio!

1. E se...
A ansiedade sempre aparece quando você antecipa – tragicamente – uma situação. Como se uma voz interna criasse, incessantemente, versões cada vez mais complicadas da realidade. Num momento de crise, a ansiosa começa a pensar:

“E se eu perder o meu emprego? E se eu não conseguir pagar o aluguel? E se eu for despejada?” Perceba: sempre que há um pensamento ansioso, capaz de alimentar sua mente com possibilidades assustadoras (e pouco prováveis de acontecer), a frase começa com e se... Nessa conversa interna, você superestima as conseqüências de um problema ao mesmo tempo que subestima a sua capacidade de lidar com ele.

“É preciso reconhecer o perigo do discurso ‘e se’ para reassumir o controle da situação. Esse é o primeiro passo”, diz o psicólogo americano Edmund Bourne, autor do livro Acabe com a Ansiedade Antes Que Ela Acabe com Você, editora Gente. A etapa seguinte é desmontar racionalmente, frase por frase, todos os argumentos que estimulavam a sua inquietação.Identifique os pensamentos distorcidos Escreva em um papel tudo o que você fica se dizendo que começa com as palavras e se.

Avalie probabilidades. Seja sincera consigo mesma e veja qual é a probabilidade real do seu pensamento ser coerente com a realidade. Se você pensa, por exemplo, que pode perder o emprego por causa da crise econômica mundial, avalie qual é o risco disso realmente acontecer. Uma vez que ocorra, imagine qual é a possibilidade de você ficar sem teto do dia para noite. Faça esse questionamento com qualquer pensamento negativo que aparecer. Coloque fé no seu valor .Olhe para sua capacidade.

Se o pior acontecer, quem disse que não haveria chances de se reerguer? Se muita gente passa por isso, por que você seria a única a não reagir? Ao fazer esse exercício, consegue olhar com mais clareza para o presente e ter uma previsão menos ameaçadora do futuro mais próximo. Com isso, o nível de ansiedade diminui.

2. Respire certo!
Preste atenção na sua respiração agora. Quando você está ansiosa, respira mais rapidamente, com a parte de cima dos pulmões, de modo curto. Isso não acontece só durante uma crise de ansiedade, mas quando você anda preocupada demais.
O problema é que, respirando assim, dificilmente consegue relaxar. “Exercícios de respiração são importantes porque é impossível acalmar os pensamentos com a respiração descontrolada”, diz a psicóloga Mariângela Savóia.

Três minutos por dia, só três minutinhos (o tempo que você leva para fazer o exercício abaixo), trazem um efeito calmante que interfere no seu dia inteiro. Pode ser até menos – quanto estiver nervosa, pare e respire profundamente.
Reservar um tempinho para prestar atenção na respiração, no movimento do seu tórax, tira o foco dos pensamentos e faz você se conectar também com o seu corpo. Isso, por si só, já a aproxima da realidade e tem um efeito muito relaxante.- Sente-se em um local confortável. - Coloque a mão sobre o abdômen. - Inspire bem lentamente, tentando levar o ar para a parte de baixo dos pulmões – até sentir a mão apoiada no abdômen subir. - Perceba que, ao inspirar, o abdômen se expande e o seu peito quase não se move. - Expire – pelo nariz ou pela boca. - Repita dez vezes. Para manter um ritmo lento e constante, conte até quatro para inspirar e também para expirar.

3. Seja flexível
Resiliência é uma palavra que está na moda, mas que nem todo mundo sabe o que quer dizer. É um misto de resistência e flexibilidade. Pense em um bambu no vendaval. Ele quase encosta no chão (flexibilidade), mas não quebra (resistência). E depois que o vento passa, volta para o lugar. “Ser resiliente é lidar bem com as adversidades do dia-a-dia. Você consegue fazer isso olhando para o fato em si, sem se ater ou se deixar levar pela emoção que ele causa”, diz a psicóloga Mariângela.

Esse não é um passo fácil de ser dado nem é de execução imediata. Envolve uma mudança importante no modo como você aceita e reage a uma situação frustrante. Mas, uma vez que consegue ser mais flexível com a realidade, que nem sempre é como deseja, menor o risco de viver ansiosa. Veja abaixo as sugestões da psicóloga. Ao ter um problema, olhe para ele “Fazer de conta que uma situação desagradável não existe, só afasta mais você da realidade e também rouba tempo para resolver a questão da melhor maneira”, fala a especialista. Foque sua atenção na situação. Independentemente da emoção que determinado contratempo traz a você, concentre seus esforços em buscar uma solução, em vez de se perder em devaneios, questionando o seu valor só porque tem uma adversidade.

Acredite que você está mais forte Guarde cada problema resolvido como repertório para sua vida. Ninguém gosta de ter problemas, mas, se você passa por eles, sai mais forte e melhor preparada para os próximos – que sempre virão!

4. Rasge a fantasia de mulher-maravilha!
Em outras palavras, diminua a expectativa que você mesma coloca sobre os seus ombros de ser sempre mais e melhor. “A necessidade de ser perfeita em tudo gera muita ansiedade”, fala Leonardo. Isso tem a ver, claro, com as expectativas da sociedade em que vivemos, mas também com o discurso interno de cada um, que diz, por exemplo, que você não pode fazer ginástica porque precisa trabalhar mais e mais e mais. Para sair dessa armadilha, escolha em que papel você quer se dedicar mais agora – o que não signifi ca que não pode mudar de idéia depois.

“A gente quer ser inteligente, rica, bonita, bem relacionada, ótima mãe, filha exemplar, esposa nota 10 e funcionária do mês. Precisa priorizar onde você quer ser boa mesmo”, diz Cecília Russo Troiano, psicóloga, de São Paulo, e autora do livro Vida de Equilibrista – Dores e Delícias da Mãe que Trabalha, editora Cultrix. Quando você aceita que não dá para ser ótima em tudo o tempo todo, espera menos de si mesma e deixa de ser vítima fácil dessa apreensão.


Jesus e Maria Madalena

Para os puros, tudo é puro

No princípio de toda filosofia há um assombro, um maravilhamento; o assombro, por exemplo, diante da mudança e da impermanência de todas as coisas... e das questões que isso incita: Existe uma realidade que permanece dentre tudo aquilo que passa? O que resta quando não resta mais nada?

Quer respondamos através da substância , como os pré-socráticos, ou através da vacuidade, como no madyamika , isso não diminui em nada o assombro e leva a questão um pouco mais adiante: o que é a substância? Que experiência de vacuidade podemos fazer?...

O assombro de nossos contemporâneos não recai tanto sobre o ser ou o não ser quanto sobre o desejo (de viver) e o não desejo (de viver) e sobre aquilo que o sustenta ou o expressa, aquilo que, utilizando uma palavra mais ou menos redutora, chamaremos “a sexualidade”, outros preferirão “o élan vital”(Bergson), “a libido”(Freud) ou ainda, “a energia vital”, “força criadora”...

O assombro diante da sexualidade raramente é filosófico. As dificuldades de algumas funções e disfunções clamam por respostas mais pragmáticas e repelem todas as formas de especulação...
Uma abordagem menos trivial da sexualidade seria, então, impossível?

Psicólogos e sociólogos já responderam a diversas dessas questões, mas talvez ainda não tenham respondido ao nosso assombro fundamental, “de sermos um ser que deseja”. Se nos inclinarmos para o lado da teologia, nos assombraremos até mesmo diante do termo “da encarnação”; o Ser encarnado seria então um ser que deseja? Como se expressa esse desejo? Não apenas através das formas sublimes que conhecemos e que foram, algumas vezes, celebradas de maneira soberba pelas igrejas, mas, o que dizer da sexualidade do Cristo?

Para muitos essa questão não é mais da ordem do assombro, do maravilhamento, mas antes do estupor e para alguns, até mesmo da blasfêmia.
Por que?
Por que tais resistências, outrora e ainda hoje em dia? No entanto, a questão é importante, não apenas para melhor conhecermos o Cristo e para respeitá-lo em todas as dimensões de sua humanidade, mas também tendo em vista sua função “exemplar”, “arquetípica” e reveladora, para melhor conhecermos o ser humano na sua realidade sexuada, sendo esta considerada hoje em dia dimensão essencial de sua identidade e de seu advir (sua substância “e” sua falta), não apenas como lugar de transmissão da vida, mas como condição para nosso prazer ou para nosso desgosto pela vida.

Nossa abordagem permanece neste assombro, neste maravilhamento, ela não deseja ser nem polêmica, nem moralizante, nem dogmática, ela se questiona o mais honestamente possível acerca do realismo da encarnação, até aonde o Verbo se fez carne? Existem elementos da nossa humanidade que escapam à Sua luz e à Sua ternura?

Se o Amor encarnou-se na História e hoje em dia continua apenas pedindo para encarnar-se, como ele não o faria nas carnes que lhe são normalmente e naturalmente consagradas?
“Aquele que é carnal, o é até mesmo nas obras do espírito, aquele que é espiritual, o é até mesmo nas obras da carne” dizia Santo Agostinho.

Nós talvez tenhamos que redescobrir uma espiritualidade vivida dentro das obras do corpo e do quotidiano que respeitaria prioritariamente o Espírito d’Aquele que se fez homem e “inteiramente homem”, “a fim de que”, como dizem os Padres, “o homem se fizesse Deus”.

Porque, repetidas vezes, o Cristianismo nos apresentou a sexualidade como sendo algo aviltante, degradante, “mãe de todos os pecados” e raramente como algo divinizante, fonte da vida e da criatividade, participação à imagem e à semelhança do Deus Vivo e Criador.

Não deveríamos, assim hoje como ontem, ir procurar a sexualidade reduzida a seus apêndices nos sex-shop e outros locais obscuros, lá onde ela “enclausurou-se” e perdeu-se, e trazê-la de volta ao santuário que foi sua morada, seu “sacrum”, a câmara nupcial que é, de acordo com o Evangelho de Felipe, um templo aonde “oramos de verdade”?
O Cristo não veio salvar, curar e divinizar aquilo que estava perdido?

Não seria a vida sexual transfigurada, quer seja numa vida de casal ou em um celibato escolhido e assumido, a grande Aventura e Alquimia que devemos incessantemente descobrir e renovar? devolver a Deus um dos maiores dons que nos foram dados? e não pararmos de nos assombrar...

Jean-Yves Leloup, doutor em Psicologia, Filosofia e Teologia, escritor, conferencista, dominicano e depois padre ortodoxo, oferece através dos seus livros, conferências e seminários um aprofundamento dos textos sagrados, assim como uma abordagem e uma reflexão extremamente ricas sobre a espiritualidade no quotidiano graças à uma formação pluridisciplinar de rara complementaridade. Membro da organização das Tradições Unidas, doutor honoris causa e ciências da Universidade de Colombo (Sri Lanka), Jean-Yves Leloup ensina na Europa, nos Estados Unidos e na América do Sul em diferentes universidades e institutos de pesquisa em antropologia fundamental. É autor de mais de cinqüenta obras, além de ter comentado e traduzido os evangelhos de Tomé, Maria de Magdala, Felipe e João. Ele participa igualmente de vários encontros entre as diversas tradições.

Algo sobre a verdade e o erro


As verdades, quando o são,

não se ocultam nem se impõem



Por Carlos Bernardo González Pecotche (Raumsol)

Está plenamente comprovado o difícil que é convencer, a quem se acha identificado com o erro, de que vive fora da realidade. Achar-se identificado com o erro é viver sob uma permanente sugestão que a tudo deturpa ou tergiversa. Exemplo eloqüente temos no campo político. Quantos não se deixaram enganar pelas afirmações dos líderes totalitários, que se proclamam paladinos da democracia, da liberdade e do direito? Nem mesmo vendo todo o contrário as pessoas saem de seu erro, tal é a obstinação e a invalidez mental que as dominam.

No campo religioso, os erros se fundamentam numa pregação de fatos absurdos, que os adeptos admitem sem reflexão nem julgamento. Grave é a cegueira do crente, cuja inteligência não pode discernir entre o verdadeiro e o falso. Conforma-se em crer que está no certo e rechaça toda idéia emancipadora de sua incondicional submissão ao dogma, porque o aterroriza o simples fato de pensar que poderia estar equivocado.

No social, à semelhança do político e do religioso, ele se abraça com fanatismo a uma ideologia e, embora esta se estruture sobre falsidades e ponha de manifesto embustes inqualificáveis, acredita docilmente que ali está a verdade, caindo sob o feitiço sedutor de suas promessas, como o pássaro na armadilha.

A evolução consciente permite ao homem defender-se do engano onde quer que este o espreite, porque fundamenta sua defesa no conhecimento das causas que o engendram. Assim, por exemplo, sabe que é impostura o que não concorda com a realidade e o que se esquiva à verificação individual, à qual todo ser tem direito. As verdades, quando o são, não se ocultam nem se impõem; revelam-se à luz da razão, com o objetivo de que o homem tome consciência delas e as use para emancipar-se da ignorância.

O que se pretende impor como verdade só tem um fim: escravizar o ente humano, para convertê-lo em instrumento passivo daqueles que exploram sua credulidade.

A sabedoria logosófica permite optar entre viver no erro, que escraviza, ou na verdade, que faz o homem livre e forte, como seu destino requer.

Trechos extraídos do livro Curso de Iniciação Logosófica


Paciência

Estamos vivendo um crescente paradoxo: a vida moderna, com seus meios de comunicação cada vez mais velozes, vem nos requisitando ter mais e mais paciência. Se pensamos estar ganhando tempo ao aplicar a tecnologia moderna ao nosso cotidiano, é melhor reconhecermos que desta forma temos perdido a habilidade de lidar com nosso tempo interno: estamos cada vez mais impacientes.

Queremos que nosso mundo interno, nossas emoções, sentimentos e percepções, fluam com a mesma velocidade máxima da internet... Como não toleramos esperar o tempo natural do amadurecimento de nossas emoções, sofremos a dor da impaciência: semelhante a uma queimadura interna, ardemos de ansiedade!

Intuitivamente, sabemos que algo não vai bem, mas como temos a urgência de nos livrarmos da pressa interna cada vez mais estimulada pela aceleração dos acontecimentos, não temos mais tempo para sentir, compreender e transformar nossas emoções.

Sofremos um grande paradoxo: cada vez que produzimos mais no mundo externo, criamos menos no mundo interno. Podemos estar ganhando mais tempo e espaço à nossa volta, mas temos de admitir que estamos perdendo a habilidade de lidar com nosso tempo e espaço internos.

Paradoxo é uma contradição, algo que ocorre ao contrário do esperado. Todos nós, com a inocente esperança de viver melhor, assumimos mais compromissos do que podemos e depois nos surpreendemos com problemas mais sérios e inesperados do que imaginávamos enfrentar. Quando as coisas não funcionam de acordo com as nossas expectativas, temos cada vez menos paciência, nos tornamos mais rígidos e cansados.

Por que continuamos nesta roda viva se já temos consciência de suas conseqüências? Acredito que parte de nossa confusão interna está no fato de que compreendemos erroneamente a virtude da paciência. Por ignorância, insistimos num esforço insensato. Por exemplo, quem já não confundiu a experiência de achar que estava tendo paciência quando na realidade estava engolindo sapos?

Enquanto confundirmos autocontrole com a capacidade de reprimir nossos sentimentos, no lugar de conhecê-los, estaremos correndo o risco de tolerar o que não é para ser tolerado! Em certas situações adversas, podemos pensar que estamos tendo paciência, quando, na verdade, estamos apenas nos sobrecarregando. Suportamos o sofrimento externo às custas de muito sofrimento interno.

Ser paciente não significa sobrecarregar-se de sofrimento interno, nem estar vulnerável ou ser permissivo com relação às condições externas. Ter paciência não é ser uma vítima passiva da desorganização alheia. Não é útil, por exemplo, ter paciência em uma situação em que se esteja sendo explorado.

Segundo a psicologia do budismo tibetano, ter paciência é a força interior de não se deixar levar pela negatividade. Ter paciência é escolher manter a clareza emocional quando o outro já a perdeu. Neste sentido, ter paciência é decidir manter sua mente limpa, livre da contaminação da raiva e do apego.

No entanto, não basta termos uma intenção clara quanto a nossas escolhas, é preciso desenvolver a força interior para sustentá-las. Neste sentido, não basta compreender racionalmente o que é ter paciência, é preciso cultivá-la interiormente. Temos de admitir que o tempo de que precisamos para amadurecer uma compreensão emocional é muito maior do que aquele de que necessitamos para sua compreensão racional.

Segundo o budismo tibetano, há três tipos de paciência:

1. Não se aborrecer com os prejuízos infligidos pelas outras pessoas, isto é, não nos abalarmos quando somos intencionalmente provocados e feridos.
2. Aceitar voluntariamente o sofrimento para si: se alguém demonstra ter raiva de você, você não deve responder com raiva; ou, se alguém o machuca ou insulta, você não deve revidar, mas sim compreender que a outra pessoa não teve controle sobre suas emoções.
3. Ser capaz de suportar os sofrimentos próprios do desenvolvimento espiritual.

Inicialmente, poderíamos avaliar estes tipos de paciência como um estado de covardia ou de submissão aparentemente masoquista. Se, ao não reagirmos diante de uma provocação, estivermos apenas tentando conter nossa raiva e não buscando transformá-la, acabaremos por implodir e nos tornaremos rancorosos. Enquanto o autocontrole excessivo nega nossas necessidades internas, o autocontrole saudável não reprime os sentimentos: lida diretamente com eles.

Lama Gangchen notou que para nós, ocidentais, a palavra paciência está contaminada por um sentimento de suportar uma dificuldade, ao invés de estar associada à intenção de nos libertarmos dela. Então, ele sugere que troquemos a palavra paciência por espaço. Na próxima vez que você pensar: “Preciso de paciência com fulano”, diga para si mesmo: “Preciso criar espaço entre mim e fulano”. Não se trata de se distanciar de alguém, como numa fuga, mas sim de recuperar sua autonomia emocional.

Autocontrole advém do autoconhecimento. Uma vez que soubermos reconhecer nossos limites, seremos capazes de não perder o controle simplesmente por respeitá-los. Saberemos o momento certo de parar quando não temermos mais nos sentir impotentes diante dos fatos, pois, ao reconhecer nossos limites, aprendemos que “dar murro em ponta de faca” irá nos ferir ainda mais. Isto não quer dizer que iremos nos tornar covardes. Ao contrário, por meio da paciência, conseguimos desenvolver uma auto-imagem capaz de confiar na capacidade de seguir em frente de forma segura e contínua, sem precisar lutar contra o mundo. A possibilidade de cultivar a paciência advém da força de ir além da negatividade, ao invés de interagir com ela.

Para saber se estamos praticando verdadeiramente a paciência, podemos observar o quanto nossas palavras e comportamentos têm ferido os outros. Do mesmo modo, estaremos nos machucando menos se respeitarmos a necessidade natural de ter tempo e espaço para estar com nossas emoções, sejam elas positivas ou negativas.

Texto extraído do site Somos Todos Um.

Bel Cesar é terapeuta e dedica-se ao atendimento de pacientes que enfrentam o processo da morte.
Autora dos livros Viagem Interior ao Tibete, Morrer não se improvisa, O Livro das Emoções e Mania de Sofrer pela Editora Gaia.

Raiva - constrói ou destroi ?

Nós somos responsáveis por tudo que acontece à nossa volta.

Através dos nossos pensamentos, emoções e palavras, criamos situações ao longo de nossas vidas que poderão ser destrutivas ou construtivas.

Todos os acontecimentos em nossas vidas até o momento em que nos encontramos foram criados por nossos pensamentos e crenças que tivemos no passado, pensamentos estes que usamos ontem, semana passada, mês passado, ano passado ou até em outras existências.

O que passou não pode ser modificado, mas, o importante é o que estamos escolhendo pensar agora, porque o pensamento sim, pode ser modificado, pois todos os estados mentais negativos atuam como obstáculos à nossa felicidade.

A raiva, por exemplo, é um dos maiores empecilhos para atingirmos o estado de liberdade interior, que é onde reside a felicidade. Ela é tida como a mais hedionda das emoções, ela perturba nosso discernimento, nos causa desconforto e consegue devastar nossos relacionamentos pessoais com a força de um furacão, que põe abaixo ou pelos ares tudo que se interpõe à sua passagem.

Estudos comprovam que a raiva, a fúria e a hostilidade são prejudiciais ao sistema cardiovascular, causando aumento de colesterol, pressão alta e até mortes prematuras.

Estes sentimentos destrutivos, quando brotam dentro de nós, acabam nos dominando de tal forma que destroem nossa paz mental e por isso são corretamente considerados como os nossos inimigos internos. Esses inimigos internos só têm uma função, a de nos destruir e muitas vezes envolver também quem está a nossa volta. Este é o único objetivo.

Nossa presença de espírito desaparece, nos sufoca e perdemos a capacidade de distinguir o que é certo ou errado, e aí, somos lançados num estado de confusão tamanha que agrava ainda mais nossos problemas e dificuldades. Todos nós já reparamos que quando isto acontece, nossa tensão aumenta, nosso nervosismo, nossa fisionomia também se transformam, e emanamos uma vibração tão hostil que todos se afastam, até os nossos bichinhos de estimação, podendo mesmo nos transformar em autores ou vitimas de crimes hediondos.

Este inimigo é tão poderoso que pode ficar atuando somente por instantes ou passar de geração para geração. Em alguns casos temos raiva de pessoas que já faleceram há muito tempo e assim o inimigo interno continua ativo com toda a sua força.

Em outros casos mantemos raiva por desastres financeiros ou relacionamentos que já acabaram há muito tempo. (Eu denomino esse mecanismo como “masturbação mental” sem atingir o orgasmo).

Existem também sentimentos de raiva que não conseguimos detectar de onde vêm e nem de quem sentimos raiva; esses estão registrados em outras vidas e geralmente é preciso fazer um trabalho de perdão e libertação para com todas as almas envolvidas.

Porém a raiva pode ser um sentimento construtivo, quando a utilizamos para detectar o que está dentro de nós como inimigos e com isso enxergar nossos egoísmos, nossas criticas, nossas lamentações, nossa falta de fé, sentimentos de culpar os outros por nossas mazelas e etc. etc.

Aí sim devemos usar a força da raiva para destruir esses sentimentos que habitam nossa alma e nos impedem que nossa vida e a de todos aqueles que dela participam desfrutem de alegria, paz e amor.

Para conseguir dominar esses inimigos internos temos algumas ferramentas que são acessíveis para todos, pois são gratuitas:
- Exercitar a paciência, a tolerância e o perdão.

Quando somos realmente pacientes, tolerantes e dominamos nossos egoísmos, o perdão surge espontaneamente, e como num passe de mágica se torna um detergente poderoso
que irá limpar nossa alma totalmente. Com isso geralmente nossas feições adquirem um brilho tão intenso que os outros chegam até a perguntar se passamos por algum tratamento de beleza...

O simples fato de dizermos a nós mesmos que estamos dispostos a exercitar essas três virtudes dá início ao processo de cura, para que nos libertemos de um passado próximo ou distante, perdoando e pedindo perdão. (Quando algum setor de nossas vidas não vai bem, podem ter certeza que é falta de perdão).

Partindo do princípio que todos os males tem origem de um estado de não-perdão, tudo começa a mudar, nosso corpo passa a funcionar melhor, nossas finanças melhoram, nossos amigos, parentes e familiares nos redescobrem, e renascemos para uma existência nova e com a percepção da inutilidade que foi manter aqueles sentimentos durante anos ou até por outras vidas. Podem ter certeza que quando você quer, o Universo e a Vontade Divina conspiram a seu favor.

Então se podemos obter milagres e mais milagres, vamos limpar o passado de nossas mentes e almas, nos desprendendo desse envolvimento emocional ligado a ele rompendo os grilhões da raiva e outros sentimentos, em que os maiores prejudicados somos nós, exercitando o Perdão principalmente com nós mesmos.

À medida que vamos nos desprendendo, nos tornamos livres, libertamos o próximo e vamos desfrutar o presente intensamente alegre para vivermos um futuro melhor.

Não esqueçam que o inimigo está no seu interior e que você não é responsável pela vida de ninguém e ninguém é responsável pela sua.

Eraldo Manfredi é terapeuta holístico com a capacidade de sintonizar as desarmonias da alma das pessoas. Texto extraído do site Somos Todos Um

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Ciúme

O ciúme é um sentimento desconfortável que nos desequilibra e enfraquece. Tomados pelo ciúme, sentimos que somos traídos por nós mesmos: afinal, sentimos que não deveríamos sentir o que estamos sentindo!

O ciúme nos divide internamente. Enquanto um lado de nosso ser clama por atenção ao sentir-se excluído, outro lado nos reprova por esta mesma atitude, pois o ciúme ameaça destruir a ordem e o equilíbrio emocional de um relacionamento.

Apesar de ser poucas vezes admitido, o ciúme é uma emoção comum, que faz parte do cotidiano de todas as relações humanas. Reconhecer o ciúme e lidar diretamente com ele é uma ação interna saudável, que acelera o processo evolutivo do autoconhecimento. No entanto, ele passa a ser patológico quando nos leva a perder a capacidade de fazermos nossas escolhas.

Por isso, o ciúme não deve ser considerado como um sentimento banal e infantil que com o tempo passa, mas, sim, ser visto como uma doença que compromete o bom funcionamento do sistema imunológico emocional de uma pessoa, assim como a dinâmica de seus relacionamentos.

Se o fogo do ciúme não for contido, ele nos queima e traz sérias conseqüências: alimentados pela desconfiança e pela agressão, geramos ansiedade, raiva, humilhação, vergonha, depressão e até desejo de vingança.

O foco de infecção a ser tratado será o da auto-estima, pois quando ela está rebaixada nos causa a sensação constante de insegurança e impotência, e, conseqüentemente, deixamo-nos levar pela imaginação - aliás, sempre voltada para o negativo.

O ciúme surge como um sinal de alerta que nos anuncia que uma ameaça real ou imaginária está invadindo nosso território afetivo. Nosso instinto de preservação procura eliminar todo e qualquer risco de perda do ser amado ou situações que nos remetam a sentir-nos seguros e protegidos.

Encontrei no livro “A simetria oculta do amor” (Ed.Cultrix), de Bert Hellinger, uma interessante explicação sobre a dinâmica do ciúme: a pessoa ciumenta deseja inconscientemente que o(a) parceiro(a) se vá.

Hellinger é um psicoterapeuta alemão, hoje com 81 anos, criador de uma nova abordagem da psicoterapia sistêmica conhecida como Constelação Familiar, na qual a origem dos conflitos de uma pessoa não é vista por uma ordem psicológica individual, mas sim por uma ordem sistêmica gerada por seu histórico familiar.

Segundo ele, algumas das dinâmicas sistêmicas inconscientes que nos levam a repelir nossos parceiros são:
- Para confirmar uma antiga crença de que não merecemos o amor, por exemplo, ou de que iremos causar infelicidade. Certas pessoas têm medo de serem abandonadas e, inconscientemente, afastam os parceiros. Criam o que receiam, como se o abandono fosse preferível à separação voluntária.
- Para ser fiel às crenças e exemplos da família: digamos, agir como agiram os pais quando não conseguiram se aceitar plenamente, quando se separaram ou quando um deles morreu no começo de um relacionamento.
- Para operar uma identificação inconsciente com outra pessoa prejudicada pelo sistema. Por exemplo, uma mulher não se casou porque tinha de cuidar dos pais já velhos. Sua jovem sobrinha identificou-se inconscientemente com ela e também não se casou.
- Para cumprir uma obrigação pessoal. Um homem abandonou a antiga família para assumir o atual relacionamento. A segunda esposa, muito enciumada, quis abandoná-lo também. Na constelação familiar, percebeu claramente que se sentia obrigada para com a primeira família do marido, solidária com ela. Isto é, neste caso, o ciúme não surge devido aos atos do marido, mas sim, do secreto reconhecimento de sua dívida para com a antiga parceira.

Neste sentido, a cura consiste inicialmente em tomar consciência do papel que estamos exercendo no conflito familiar e em seguida parar de atuar como coadjuvante deste mesmo drama. Isto é, ao compreendermos como nossa história pessoal está contaminada pela repetição de um conflito geracional não resolvido, decidimos não repeti-lo, redefinindo nossas posições. Assim como escreve Hellinger em seu livro: “Quando ‘des-cobrimos’ uma ordem, a ordem correta - digo-o para provocar -, então ela de algum modo cura ou resolve o sistema. Às vezes, uma ordem está oculta. Uma árvore, por exemplo, cresce de acordo com uma ordem e não pode desviar-se dela. Se o fizesse, não mais seria uma árvore. Os homens e os sistemas de relacionamentos humanos também se desenvolvem segundo determinadas ordens. As verdadeiras ordens da vida e dos relacionamentos estão ocultas, inseridas nos fenômenos vitais. Nem sempre podemos encontrá-las imediatamente, mas pior seria inventá-las para se coadunarem com nossos desejos”.

A consciência de nosso papel no sistema familiar é a meta desta técnica terapêutica conhecida como Constelação Familiar, que já vem sendo aplicada por vários profissionais no Brasil.

No entanto, aqui vai uma dica para quem sente que o ciúme vem atrapalhando a sua vida: comece por perceber quando e como o ciúme surge. Observe, como quem levanta dados para uma pesquisa científica, como você reage diante do ciúme. Ao fazer isso, verá que gradualmente deixará de ter reações exageradas, pois ao observar a si mesmo estará aprendendo a preservar um olhar sadio, capaz de discernir entre imaginação e realidade.

A melhor maneira de diminuir a intensidade do ciúme é deixar de interpretá-lo como um drama e passar a expressá-lo de modo natural, isto é, como mais uma experiência de sofrimento emocional. Ser honesto consigo mesmo e abrir-se com o outro de modo simples e sincero costuma ser uma solução positiva, porque a sinceridade é em si um antídoto do desejo de manipular e controlar o outro.

Ao conversarmos com nosso parceiro sobre a experiência de ciúme deixaremos de usar nosso sentimento como uma arma de defesa ou de ataque para manter nosso parceiro sob controle.

Se usarmos o ciúme como um meio de controlar nossos parceiros, iremos afastá-lo cada vez mais de nós. Mas é importante não negarmos nossos sentimentos, pois ao ocultá-los seremos nós quem naturalmente irá se isolar, causando um mal ainda maior, pois quanto mais nos afastarmos, mais o nosso ciúme tendencialmente irá crescer. O melhor é buscar ajuda para melhorar nossa auto-estima e lidar diretamente com a realidade!

A desvalorização de si mesmo é uma das causas mais importantes do ciúme intenso. Pessoas seguras de seu valor costumam não se deixar levar por seus sentimentos de ciúmes, aliás, como elas não temem seus conflitos emocionais usam-os em proveito próprio como lenha que aquece o seu fogo do autoconhecimento.

Resumindo, se expressarmos nossas experiências emocionais com a intenção de aprofundar nossos relacionamentos, iremos cultivar a abertura e a honestidade, atitudes que exigem constante amor e dedicação!

Bel Cesar é terapeuta e dedica-se ao atendimento de pacientes que enfrentam o processo da morte.
Autora dos livros Viagem Interior ao Tibete, Morrer não se improvisa, O Livro das Emoções e Mania de Sofrer pela Editora Gaia.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Desertos


Cada um tem seu deserto a atravessar

O que evoca para nós a palavra deserto? Silêncio, imensidão, vento abrasador? Não apenas.Evoca também sede, miragens, escorpiões...e o encontro do mais simples de si mesmo no olhar assombrado e surpreso do homem ou da criança que brota não se sabe de onde – entre as dunas?

Existem os desertos de pedras e de areias, o deserto do Hoggar, de Assekrem, de Ténéré e do Sinai e de outros lugares ainda...o deserto é sempre o alhures, o outro lugar, um alhures que nos conduz para o mais próximo de nós mesmos.

Existem os desertos na moda, onde a multidão se vai encontrar como um pode tagarela, em espaços escolhidos, onde nos serão poupadas as queimaduras do vento e as sedes radicais; deles se volta bronzeado como de uma temporada na praia, mas ainda por cima, com pretensões à “grande experiência”, que nos transformaria para sempre em “grandes nômades”...

Existem, enfim, os desertos interiores. Temos que falar deles, saber reconhecer o que apresentam de doloroso e tórrido, mas tentando também descobrir, aí, a fonte escondida, o oásis, a presença inesperada que nos recebe, debaixo de uma palmeira sorridente, em redor de uma fogueira onde a dança dos “passantes” se junta à das estrelas. Pois o deserto não constitui uma meta; é, antes, um lugar de passagem, uma travessia. Cada um, então, tem a sua própria terra prometida, sua expectativa que deverá ser frustrada, sua esperança a esclarecer.

Algumas pessoas vivem esta experiência do deserto no próprio corpo; quer isto se chame envelhecer, adoecer ou sofrer as conseqüências de um acidente. Esse deserto às vezes demora muito a ser atravessado.

Outras pessoas vivem o deserto no coração das suas relações, deserto do desejo ou do amor, das secas ou dos aborrecimentos que não aprendemos a compartilhar.

Há também os desertos da inteligência, onde o mais sábio vai esbarrar no incompreensível e o mas consciente no impensável. Só conseguimos conhecer o mundo e as suas matérias, a nós mesmos e às nossas memórias quando atravessamos os desertos.

Temos, finalmente, o deserto da fé, o crepúsculo das idéias e dos ídolos, que havíamos transformado em deuses ou em um Deus, para dar segurança às nossas impotências e abafar as nossas mais vivas perguntas.

Cada pessoa tem seu próprio deserto a atravessar. E a cada vez será necessário desmascarar as miragens e também contemplar os milagres: o instante, a aliança, a douta ignorância e a fecunda vacuidade.


Jean-Yves Leloup, doutor em Psicologia, Filosofia e Teologia, escritor, conferencista, dominicano e depois padre ortodoxo, oferece através dos seus livros, conferências e seminários um aprofundamento dos textos sagrados, assim como uma abordagem e uma reflexão extremamente ricas sobre a espiritualidade no quotidiano graças à uma formação pluridisciplinar de rara complementaridade. Membro da organização das Tradições Unidas, doutor honoris causa e ciências da Universidade de Colombo (Sri Lanka), Jean-Yves Leloup ensina na Europa, nos Estados Unidos e na América do Sul em diferentes universidades e institutos de pesquisa em antropologia fundamental.

Três fundamentos


Salva-te se queres conservar tua vida. Não olhes para trás, e não te detenha em parte alguma da planície, mas foge para a montanha, senão perecerás." (Gênesis, 19,17)



Queres conservar tua vida? Então existem três coisas fundamentais a se fazer:

1 – Suba para a montanha – Subir para a montanha significa achar um ideal na vida. Saber aonde queremos chegar. Significa abrir novos horizontes. O mundo se afasta para deixar passar todo aquele que sabe para onde vai.

2 – Não te detenhas em parte alguma da planície – Não se perder nos problemas cotidianos. Não se deter por coisas pequenas. Saber relegar aquilo que não é importante. Não existe nenhuma pessoa no mundo que não tenha passado ou não esteja passando por problemas. Faça dos problemas um impulso para a vitória.

3 – Não olhes para trás – Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida. o passado não interessa. Afinal de contas, quem se prende ao passado acaba se transformando como a mulher de Lot, numa estátua de sal (cf.Gènesis,19,26), que significa uma pessoa parada, deprimida, voltada demais para si mesma...Então, na grande caminhada que temos, jamais podemos perder tempo com coisas que não sejam absolutamente essenciais e importantes. Outra coisa importante: viva como alguém que vai morrer um dia. Infelizmente muitos vivem como se não fossem morrer e morrem como se não tivessem vividos. Tudo o que temos e tudo o que somos nós iremos perder. Quem não perde não ganha. Essa é a lógica de Cristo.

É importante ressaltar que a certeza da perda não deve nos provocar uma superficialidade na vida e em nossos relacionamentos.

Não é porque vou morrer que vou viver de qualquer jeito. Não. O fato de saber que vou perder deve levar-me a saborear cada minuto da convivência com as pessoas, com Deus, comigo mesmo, com a natureza e com o mundo. O fato de saber que vou perder deve levar-me a saborear a vida com parcimônia. Veja: o pássaro, mesmo preso numa gaiola, continua cantando. Não existem gaiolas no mundo que sejam capazes de silenciar o canto do pássaro, seu canto vem de dentro. Assim também, nada nem ninguém pode nos fazer felizes ou infelizes. Somos feitos para o infinito, logo, temos fagulhas desse infinito dentro de nós.

Os problemas não podem aprisionar nossos sonhos e nossos projetos, por isso mesmo não podemos nos deter na planície e nem olhar para trás. É preciso encontrar nossa montanha.

Esse esquema de salvação apresentado pelo autor sagrado se adapta perfeitamente a todas as situações difíceis de nossa vida: doença, morte, perda de bens materiais, dependência química, depressão...

Precisamos encontrar em Jesus a força para nossa transcendência: a pessoa só conseguirá sair de uma situação com Alguém que a impulsione para o Alto.

Não entregues teu coração à tristeza e nem atormentes a ti mesmo nos teus pensamentos. A alegria do coração é saúde...e um inesgotável tesouro de santidade. A alegria torna mais longa a sua vida! Tem compaixão do teu coração e torna-te agradável a Deus e sê firme. Concentra teu coração na santidade e afasta a tristeza para longe de ti, pois a tristeza matou a muitos e na tristeza não existe nenhuma utilidade”

(Eclesiástico, 30,22-27)

Texto extraído do livro Depressão - Onde está Deus? Dr.Roque Marcos Saviol - Ed.Gaia

Dr.Roque Marcos Savioli é médico formado pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos, Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Diretor da Unidade de Saúde Suplementar do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Espiritualista dentro do dogma da Igreja Oriental

Prática espiritual

Quantas pessoas são necessárias para transformar a sua vida em uma prática espiritual?

Não se incomode caso o parceiro não queira cooperar. É através de você que a sanidade, ou seja, a consciência, consegue chegar a este mundo. Você não tem de esperar o mundo se curar, ou alguém se tornar consciente, antes de poder alcançar a iluminação. Pode ter de esperar para sempre. Não acuse o outro de não ter consciência. No momento em que a discussão começar, é sinal de que você passou a se identificar com uma posição mental e a defender não só aquela posição, mas também o seu sentido do eu interior. O ego está no comando. Você acabou de ficar inconsciente. Às vezes, isso pode servir para apontar certos aspectos do comportamento do parceiro. Se você estiver muito alerta, muito presente, pode agir sem o envolvimento do ego: sem culpar, acusar, ou fazer o outro se sentir errado.

Se o outro se comportar de modo inconsciente, abandone qualquer julgamento. O julgamento tanto serve para as pessoas confundirem o comportamento inconsciente com quem elas são de verdade, quanto para projetar a própria inconsciência sobre a outra pessoa a se enganar por causa disso sobre quem elas são.

Abandonar qualquer julgamento não significa não reconhecer a disfunção e a inconsciência quando se depara com ela. Significa “ser o saber”, e não “ser a reação” e o juiz. Você não vai nem querer reagir ou poderá reagir e ainda assim ser o saber, o espaço no qual a reação é observada e onde ela se permite existir. Em vez de brigar com o escuro, você traz a luz. Em vez de reagir a uma desilusão, você vê a desilusão, mas, ao mesmo tempo enxerga através dela. Ser o saber cria um espaço nítido de presença amorosa que permite a todas as coisas e pessoas serem como são.

Não existe maior catalisador para que a transformação aconteça.

Se você adotar essa prática, o outro não conseguirá ficar com você e permanecer inconsciente.

Se os dois concordarem em fazer do relacionamento uma prática espiritual do casal, tanto melhor.

Podem contar ao outro os pensamentos e sentimentos tão logo apareçam, ou assim que uma reação desponte, de forma que não haja tempo para surgir um espaço em que uma emoção não dita, ou desconhecida, ou uma queixa, possam se agravar e se desenvolver. Aprenda a ouvir o parceiro de um modo aberto, sem reservas, Dê ao parceiro espaço para se expressar. Esteja presente. Acusar, defender, atacar todos esses padrões destinados a fortalecer ou proteger o ego ou a atender às necessidades dele irão se tornar supérfluos.

Dar espaço aos outros – e a si mesmo – é fundamental. O amor não consegue florescer sem isso. Quando você tiver removido os dois fatores que destroem os relacionamentos e o seu parceiro tiver feito o mesmo, vocês vão sentir a alegria do desabrochar do relacionamento. Em vez de refletir o sofrimento e a inconsciência, em vez de satisfazer as necessidade mútuas viciadas do ego, vocês vão refletir para o outro o amor que sentem lá no fundo, que surge com a realização da unidade de cada ser com tudo o que existe. Esse é o amor que não tem opositores.

Se o seu parceiro continua identificado com a mente e com o sofrimento, mas você já libertou deles, vai ser um grande desafio. Não para você, mas sim para ele. Não é fácil conviver com uma pessoa iluminada, ou melhor, é tão fácil que o ego acha extremamente ameaçador. Lembre-se de que o ego precisa de problemas, disputas e “inimigos” para fortalecer o sentido de separação de onde tira sua identidade. A mente do parceiro não iluminado ficará profundamente frustrada porque não encontrará resistência às suas posições rígidas, o que significa que ela vai se tornar insegura e enfraquecida, além do “perigo” de essas posições desabarem todas juntas. Resultando na perda do eu interior. O sofrimento do corpo pedirá uma resposta, mas não irá contê-la. sua necessidade de discussões, dramas e disputas não será atendida. Mas atenção: algumas pessoas que são fechadas, retraídas, insensíveis, ou distanciadas dos sentimentos podem imaginar que são iluminadas e tentar convencer os outros disso.

Elas podem sustentar que não existe “nada errado” com elas e que o erro está no parceiro. Os homens têm mais tendência a agir assim do que as mulheres. Talvez vejam suas mulheres como irracionais ou emocionais. Mas, se você consegue sentir suas emoções, não está muito distante do radiante ou interior que está logo ali sob elas. Se você age mais com a cabeça, a distância é muito maior e você vai precisar colocar emoção no corpo antes de poder alcançar o corpo interior.

Se não houver uma emanação de amor e de alegria, uma presença completa e uma abertura na direção de todos os seres, então não é iluminação. Outro fator indicativo é o modo da pessoa se comportar em situações difíceis ou desafiadoras, ou quando as “coisas vão mal”. Se a “iluminação” é uma ilusão egóica do eu interior, a vida logo vai lhe aprontar um desafio que fará aflorar a inconsciência sob qualquer forma – medo, raiva, defesa, julgamento, depressão, etc. Se você estiver em um relacionamento, muitos desses desafios vão se manifestar através do seu parceiro. Por exemplo, uma mulher pode ser desafiada por um homem indiferente, que vive quase exclusivamente em seu próprio mundo. O desafio está na inabilidade dele em ouvi-la, em não dar a ela atenção e espaço para ser alguém, decorrente da falta de presença dela. A ausência de amor no relacionamento, que normalmente é mais percebida pela mulher do que pelo homem, vai desencadear o sofrimento na mulher. Através dele, ela vai atacar o parceiro; culpando-o, criticando-o, atribuindo-lhe os erros, etc. Agora o desafio passou a ser dele. Para se defender contra a agressão desencadeada pelo sofrimento dela, que considera totalmente sem razão, ele vai se aferrar, cada vez mais, às suas posições mentais, enquanto se justifica, se defende ou contra-ataca. Isso, no fim, pode até mesmo vir a ativar o sofrimento dele. Quando as duas partes foram dominadas, é sinal que atingiram um nível de profundo inconsciência. Isso não vai ceder até que as partes tenham se abastecido. Até que tudo volte a acontecer.

Cada desafio como o que descrevi acima contém uma oportunidade disfarçada para atingirmos a salvação. Por exemplo, a hostilidade da mulher pode se tornar um sinal para o homem sair do seu estado identificado com a mente, despertar no Agora, estar presente – em vez de ficar cada vez mais inconsciente. Em vez de “ser” o sofrimento, a mulher poderia ser o saber que observa o sofrimento emocional em si mesma, acessar o poder do Agora e iniciar a transformação do sofrimento. Isso iria evitar a projeção compulsiva e automática do sofrimento para o mundo exterior. Poderia expressar seus sentimentos para seu parceiro. Naturalmente, não há uma garantia de que ela vá escutar, mas é uma boa oportunidade para ele se tornar presente e quebrar o ciclo doentio de uma representação involuntária de seus velhos padrões mentais. Se a mulher perder essa oportunidade, o homem poderá observar a sua própria reação emocional e mental ao sofrimento dela, a maneira como ele se coloca na defensiva, em vez de ser a reação. Poderá então identificar o momento em que começa o seu próprio sofrimento e trazer consciência às suas emoções. Assim, um espaço de consciência pura, claro e sereno, passaria existir – o saber, a testemunha silenciosa, o observador. Essa consciência não nega o sofrimento e, mais que isso, está além dele. Permite que o sofrimento aconteça ao mesmo tempo que o transforma.

Ela tudo aceita e tudo transforma. A mulher poderia facilmente se juntar a ele nesse espaço, através da porta que acabou de ser aberta.

Texto extraído do livro O poder do Agora – Um guia para a iluminação espiritual - Eckhart Tolle – Ed. Sextante.

Eckhart Tolle se formou pela Universidade de Londres, tornou-se pesquisador e supervisor da Universidade de Cambridge, Atua como conselheiro e mestre espiritual, trabalhando com grupos na Europa e na América do Norte.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Paz


Paz, em hebraico, é Shalom, e, literalmente, Shalom quer dizer: “estar inteiro”, “estar em repouso”...É então conveniente que perguntemos: o que nos impede de estarmos inteiros? O que nos impede de experimentarmos o repouso, isto é, de estarmos em paz?

As respostas são múltiplas; destaco apenas as que me parecem essenciais;

O que nos impede de estarmos inteiros, de estarmos inteiramente presentes na integridade do que somos, é o medo.

O que nos permite estarmos inteiros, estarmos inteiramente presentes na integridade do que somos, é o amor.

O contrário do amor, e portanto da realização do que somos, não é fundamentalmente o ódio, e sim o medo.
Medo de quem?Medo de que?
Medo de amar, melhor dizendo, de se perder, pois amar antes de se encontrar é perder-se.

Certamente, existe toda sorte de medo: do desconhecido, do sofrimento, do abandono, da morte... Todos esses medos podem resumir-se num só: medo de ser “nada”.

Este medo nos leva a esforços inimagináveis, para provarmos a nós mesmos e aos outros que somos alguma coisa e que “vale a pena” sermos amados, que o merecemos...Ser amado seria, portanto, um direito do homem?

Infelizmente, este é um segredo muito bem guardado: aquele que procura ou solicita o amor jamais o encontrará...Só o encontramos no momento em que o damos...Unicamente quem ama, quem se torna amável e é capaz desse dom “gracioso” recebe o amor gratuitamente.

O Amor jamais se manifesta àquele que o pede, mas se revela sem cessar a quem o doa. Aquele que compreendeu e viveu isto sente-se em paz. E também inteiro, porque só o amor nos realiza (e é o cumprimento da lei).

O medo nos “castra”, torna-nos enfermos e impede a livre circulação da vida em todos os nossos membros. E no Amor não há “membros impuros”: “Tudo é puro para aquele que é puro”; é o Amor que purifica.

Amar com todo o seu ser, este é o mandamento (mitzvah), ou, mais exatamente, o “exercício” que nos é proposto: “Amarás com todo o teu coração, com todo o teu espírito, com todas as tuas forças”; isto traz também uma esperança.

Um dia amarei inteiramente, não somente com o meu corpo, minha cabeça ou meu coração, mas “inteiramente”; um dia, se almejo isto sem perder a esperança, estarei em paz. Pois é suficiente desejar amar, querer amar, mesmo que ainda não seja amar...Bem sabemos que o inferno não está nos outros; o inferno é não amar, é não se amar inteiramente, até em nossa dificuldade e algumas vezes em nossa incapacidade de amar...

Nesse caso, talvez seja bastante não mais querer, não mais ter medo deste medo sutil, menos grosseiro, que é o medo de não ser amado, o medo de não amar...Aquele que perdeu o medo de ser “nada” não tem mais medo de tudo; paradoxalmente, é o medo de ser nada que nos impede de ser tudo. Se aceitássemos, por um instante, este “nada” que somos, este “nada a mais e nada a menos” do que somos, então, nesse mesmo momento, não haveria mais obstáculos à revelação e ao desdobramento do Ser que ama, em nós e através de nós.

Se, supostamente, ser amado é um direito do homem, ser capaz de doar é uma realização, uma graça divina concedida ao homem; a alegria de participar da Dádiva e da Vida do Ser que faz “girar a Terra, o coração humano e as demais estrelas”, generosamente...

Porém, não fosse pelo fato de nos “sentirmos mal”, como seria possível aceitarmos “ser nada” quando nos sentimos ser alguma coisa? O termo “nada” pode parecer negativo; talvez fosse preciso dizer simplesmente “ser”, sem acrescentar qualquer palavra, para podermos pressentir que o que se soma ao “ser” é algo de “mental” e compreendermos melhor a palavra do Cristo, precedida pela de Buda (seis séculos antes): “O que é, é, o que não é, não é”. Tudo o que é dito a mais vem do mental ou do “mau”, ou ainda, em algumas traduções, do “mentiroso”.

Sentir-se em paz é estar num corpo relaxado, com o coração livre e a mente serena. E conhecendo melhor, hoje, as funções coordenadoras do cérebro, é sem dúvida pelo mental que devemos começar. Ser nada a mais (e nada a menos) do que somos – estar em paz – pressupõe uma mente pacificada, em repouso, e é o segundo sentido da palavra shalom.

Por que não estamos em repouso?

Não somente há o medo de ser “nada” (ser mais ou ser menos do que somos), mas existem as lembranças, com as quais nos identificamos e que tomamos por nosso verdadeiro ser. O caminho para a paz é aquele que nos faz passar das nossas identidades provisórias, irrisórias, transitórias, para a nossa identidade essencial (eu sou o que eu sou).

Os Padres do Deserto falavam de oito logismoï, ou pacotes de memórias, com os quais nos identificamos e que nos impedem de estar em paz. São eles:

1. Gastrimargia, ou a identificação com nossas fomes, sedes e apetites, o resultado de todas as nossas necessidades, que e somatizam, na maior parte do tempo, oralmente (bulimia, anorexia);
2. Philarguria, ou o medo de nos faltar algo, que se manifesta pela acumulação de bens inúteis; identificamo-nos e buscamos a segurança, pelo que temos e pelo que possuímos;
3. Pornéia, ou a identificação com a nossa vida pulsional, com o medo de nos faltar vitalidade e desejo;
4. Orgé, ou a dominação do irascível e do emocional, a cólera de não ser reconhecido como “centro do mundo”, “digno de reconhecimento e respeito”;
5. Lupé, ou a tristeza de não sermos amados como gostaríamos de ser;
6. Acedia, ou a tristeza de não sermos amados de forma alguma, o desespero diante da evidência de que nunca fomos e nunca seremos amados (a menos que cessemos de pedir e nos tornemos capazes de doar);
7. Kenodoxia, ou a vaidade e a presunção que nos identificam com a imagem que fazemos de nós mesmos, independentemente do que somos na verdade; isto só acontece com angústia, e esta é proporcional à diferença que existe entre o que somos e o que pretendemos ser;
8. Uperephania, sem dúvida, a patologia mais grave: trata-se de colocar nossa identidade ilusória como se fosse a única realidade, e tomarmos a nós mesmos por única referência e juizes do que é bom ou mau; considerar todas as coisas em relação ao prazer ou desprazer que elas nos proporcionam e fazer delas uma lei válida para todos.

Aos oito logismoï, ou pensamentos, poderíamos acrescentar muitos outros, como o ciúme, a inveja...e todas as projeções que nos impedem de ver e de aproveitar o que está no presente. Não por acaso, mais tarde, os Padres do Deserto chamaram estes pensamentos ou expressões da mente, que constituem obstáculos à apreensão simples e pacífica do que existe e do que somos, de “demônios” (shatan, que, em hebraico, quer dizer: “obstáculo”).

Em resumo, o principal obstáculo à paz, o maior dos demônios é a nossa própria mente, este reservatório de emoções passadas, que se derrama sem parar sobre o presente; este “pacote de memórias” que denominamos ego, ou eu. Quem sofre ou é infeliz é sempre o eu e nossa identificação com o que não somos realmente.

Que só o presente existe é um segredo bem guardado; o que era, não é mais; o que será, ainda não é; se vivermos eternamente em nossos arrependimentos e projetos, teremos que sofrer e passaremos ao largo do “segredo”... “Ora ao teu Pai que está aí, dentro do segredo”, na presença do que é presente. São palavras do Evangelho e também palavras de cura...

A morte não existe ainda, ela não é. Só permanece este “Eu Sou”, que existe desde sempre e para sempre. Não podemos ir para outro lugar, senão onde estamos; e onde nos encontramos aqui já estamos. Por que procurar, em outra parte, a vida e a paz que nós somos, se a paz é nossa verdadeira natureza, não está por fazer? Trata-se, primeiramente, de conferir menos importância àquilo que nos “impede” de estar em paz; depois, não lhe dar importância alguma, se quisermos; e isto significa aderir, instante após instante, ao que é, com um espírito silencioso, uma mente serena, ou melhor, não identificados com as memórias e com as emoções que essas memórias provocam.

Lembrar-se de que nossa verdadeira natureza está em paz é uma forma universal de oração.

Essa rememoração de nosso ser verdadeiro encontra-se, efetivamente, na base das práticas de meditação de várias culturas ou religiões (dhikr – prática islâmica; japa – modalidade de ioga; hesicasmo – seita antiga de místicos cristãos orientais, etc.).

Temos medo de que? De perdermos a cabeça, perdermos a alma, de não sermos o que nossas memórias nos dizem que somos, não sermos coisa alguma do que pensamos ser? Perdem-se as ilusões, os pensamentos, e fica somente o medo de morrer. Se eu paro de me identificar com o que deve morrer, permaneço já naquilo que sou desde sempre.

Não pode haver outro artesão da paz que não seja aquele cujo corpo está relaxado, que tem o coração livre e a mente pacificada. Mesmo o nosso desejo de paz pode tornar-se uma tensão, um nervosismo, um obstáculo à paz, uma obrigação, um dever que se somará à infelicidade e à inquietação do mundo.

Afirmar que estamos em paz não é negar nossos medos, nossas memórias, nossos sofrimentos...é colocá-los em seus devidos lugares, na corrente insensata e tranqüila da verdadeira Vida...


Jean-Yves Leloup, doutor em Psicologia, Filosofia e Teologia, escritor, conferencista, dominicano e depois padre ortodoxo, oferece através dos seus livros, conferências e seminários um aprofundamento dos textos sagrados, assim como uma abordagem e uma reflexão extremamente ricas sobre a espiritualidade no quotidiano graças à uma formação pluridisciplinar de rara complementaridade. Membro da organização das Tradições Unidas, doutor honoris causa e ciências da Universidade de Colombo (Sri Lanka), Jean-Yves Leloup ensina na Europa, nos Estados Unidos e na América do Sul em diferentes universidades e institutos de pesquisa em antropologia fundamental. É autor de mais de cinqüenta obras, além de ter comentado e traduzido os evangelhos de Tomé, Maria de Magdala, Felipe e João.

AHIMSA



Ahimsa significa etimologicamente abstenção de prejudicar. Nesta acepção negativa, a palavra é hindu e a própria virtude, cultivada por toda a parte nas Índias, pelos sábios e pelo povo, desde a época mais remota.

...Em sua acepção positiva, tal como Gandhi a definiu, e praticou, a Ahimsa é uma virtude cristã e não se distingue em nada da caridade. É, inicialmente, uma benevolência deslumbrada e misericordiosa com relação a tudo o que está vivo.

É o primeiro dos mandamentos, aquele que resume todos. É um despertar contínuo do espírito, um trabalho infatigável do coração, uma fonte de ações sempre brotante. É a ordem da liberdade, pois aquele que ama só tem a fazer aquilo que quer, para cumprir a lei. É o esquecimento do desejo e do apego, que são nossas trevas, é o apagar de nossa ignorância e da dos outros, é a reparação de nossas injustiças e a correção das dos outros. É a abolição das barreiras e dos limites, é a dádiva perpétua sem perda e o sacrifício total e sem dor, que assemelham nossa natureza à da luz. É a única entrada do Reino, pois Deus é Verdade e Verdade é a meta, mas o Amor é a via. É por isso que o amor de Deus, que não se exprime pelo serviço do homem, é um engodo.

Como método revolucionário e como arma de combate, a Ahimsa é uma revelação quase sem precedentes, o evento mais significativo que nossa época perturbadora e cheia de aventuras inauditas conheceu”. (Lanza del Vasto, p.152-153)


Texto extraído do livro Nova linguagem holística; pontes sobre as fronteiras das ciências físicas, biológicas, humanas e as tradições espirituais - Pierre Weil – Ed.Espaço e Tempo.

Pierre Weil é doutor em Psicologia pela Universidade de Paris e especialista em Psicoterapia de Grupo e Psicodrama. É muito conhecido também pelas suas pesquisas em Psicologia Transpessoal. Dedica-se inteiramente às questões ligadas à paz interior e mundial e ao desenvolvimento de uma visão holística dos problemas humanos.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Como superar a solidão

Solidão da alma

O sentido de inteireza nos leva a superar a dor da solidão: voltamos a amar.

Quando nos sentimos sós, julgamo-nos desconectados de qualquer fonte de contato humano, rompemos os cabos de ligação com o mundo que geram calor e a razão de estarmos vivos. É como Andrew Dolomon descreve o processo de depressão: “A depressão é a imperfeição no amor. Para podermos amar, temos que ser criaturas capazes de se desesperar ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, degrada o eu da pessoa e finalmente eclipsa sua capacidade de dar e receber afeição. É a solidão dentro de nós que se torna manifesta, e destrói não apenas a conexão com outros, mas também a capacidade de estar apaziguadamente apenas consigo mesmo.

A solidão cresce em nosso interior quando nos distanciamos de nossas próprias necessidades espirituais. Ao nos desenvolvermos espiritualmente, ativamos a consciência de que pertencemos a uma rede infinita de fenômenos, conhecidos no Budismo por Tendrel ou Surgimento Interdependente. Como me disse Lama Gangchen em certa ocasião: “No absoluto somos uma só mente: um só continuum mental”.

Quando nos sentimos sós, estamos conectados ao medo, raiva e orgulho, causas e condições negativas surgidas interdependentemente. No entanto, podemos conectar às causas e condições positivas surgidas interdependentemente por meio de ações de corpo, palavra e mente motivadas pela paz interior. Neste sentido, não há por que nos sentirmos sós: estamos interligados tanto no nível material como sutil. Aliás, será esse sentimento de participação cósmica que irá nos ajudar a lidar com a sensação de “não estar mais aqui e ainda não estar lá” quando enfrentamos nossa morte.

Para atingir nossa paz interior, devemos começar por corrigir a idéia de que “somos seres solitários”, abandonados e soltos como satélites desativados, perdidos no universo. Precisamos também reconhecer as limitações que surgem comumente quando decidimos transformar esta auto-imagem negativa. Por exemplo, é natural que nosso sentimento de inadequação aumente quando nos sentimos incapazes de nos conectar com o afeto daqueles que querem nos ajudar a sair da solidão. Pois só quando nos sentirmos capazes de dar amor é que iremos nos abrir para receber amor.

É interessante notar como, na maioria das vezes, a solidão está baseada no orgulho de “não precisar de ninguém”. Isto ocorre quando fechamos o coração após nos auto-sustentarmos sob condições áridas e hostis.

Assim explica o filósofo cristão Thomas Merton: “O ódio é sinal e expressão da solidão do ser isolado, da insuficiência, da indignidade. E, na medida em que cada um de nós é solitário, isolado e se sente pouco digno, cada um de nós se odeia a si próprio. Alguns estão conscientes desse auto-ódio, e por causa dele se repreendem a si próprios e se castigam desnecessariamente. O castigo não pode curar o sentimento de que não somos dignos. Não há nada que possamos fazer em relação a isso enquanto nos sentimos isolados, insuficientes, desamparados e sós. Outros, menos conscientes desse auto-ódio de que são portadores, o realizam de forma diversa, projetando-o sobre o próximo. Existe uma auto-abominação orgulhosa que confia em si; pesada e cruel, quer saborear o prazer de odiar, pois esse sentimento se dirige para fora, alvejando a indignidade alheia. Mas esse forte e alegre ódio não compreende que, como todo ódio, destrói e consome o “eu” que odeia e não o objeto odiado”. (1)

O auto-ódio projetado sobre o próximo faz com que criemos inimigos: passamos a ver certas pessoas como “monstros-fantasmas” que nos trazem impedimentos e nos despertam muita raiva. Produzimos assim um círculo vicioso de relacionamentos baseados no prazer negativo: mesmo sem nos darmos conta, sentimos prazer ao ver nosso “suposto inimigo” sofrendo.

É importante perceber quando nós próprios nos tornamos objetos do prazer negativo alheio. Neste caso, cabe a nós deixarmos de ser cúmplices desta trama e trazer consciência à situação por meio de uma conversa honesta, na qual cada um pode abertamente expressar seu medo e raiva. No entanto, se as condições para tal conversa não estiverem amadurecidas, como, por exemplo, se o outro resistir a abrir-se para revelar seus sentimentos, devemos pelo menos procurar evitar as situações que facilitam nosso envolvimento padrão negativo.

Reconheci este mecanismo em minha vida no meu relacionamento com pessoas que me prestavam serviços: a tarefa em si era mal feita ou nem mesmo chegava a ser cumprida, trazendo-me danos e, no mínimo, irritação. Assim, pude identificar que havia ausência de afeto em nosso relacionamento. Ao conversar com elas objetivamente sobre as falhas ocorridas, em geral, elas reconheciam seus erros mas não chegavam à reparação, pois logo mais adiante, este padrão surgia novamente. Percebi, por exemplo, que eu lhes causava medo e raiva por se sentirem em dúvida sobre a capacidade de realizarem suas funções. O medo de errar as deixava suscetíveis a críticas. Desta forma, elas facilmente me viam como “monstro-fantasma”, e, portanto, não tinham disponibilidade afetiva para me ajudar. O medo dos outros revela, em última instância, o medo de nós mesmos.

Busquei, então, esclarecer este mecanismo de comunicação com elas, e passamos a evitar situações que podiam gerar novamente o conflito até resgatar a calma, com a qual podemos gerar confiança para não repetir tal padrão. Desde então, busco me auto-observar, de modo a reconhecer em mim mesma se estou agindo a partir do me ou do afeto. Ao reconhecer o medo, procuro me retrair até recuperar a calma interna. Nestes momentos, reconheço que estou me sentindo de fato só, mas sei que ao me acolher estarei criando as condições básicas para mudar. Assim como Lama Gangchen nos inspira a pensar quando diz: “Se dermos um direcionamento positivo para a nossa mente, todas as pessoas surgirão como amigos para nos ajudar”.

Enquanto estivermos presos pela raiva de nos sentirmos sós, viveremos um paradoxo, queremos receber afeto, mas não estamos dispostos a nos abrir para ele. Isso ocorre justamente porque é ao dar afeto que nos sentimos munidos de afeto.

A falta de contato conosco mesmos que cria a sensação de solidão e isolamento. “A verdadeira individualidade não é a solidão. Significa uma força interior, um vir a conhecer nossa verdadeira humanidade, um fortalecimento da capacidade de enfrentar o medo. Sentimos solidão não devido à falta de companheiro, mas porque não estamos à vontade conosco mesmo. O vazio que sentimos não pode ser preenchido por outra pessoa, embora a princípio nos sintamos completados pelo outro. Depois de um tempo, o vazio interior se intensifica, em geral forçando-nos a olharmos para dentro. Não conseguimos nos sentir à vontade conosco mesmos até que tenhamos desenvolvido um espaço interior.” (1)

Vivemos em uma sociedade em que as pessoas acham cada vez mais difícil demonstrar afeto para os outros. O caos gerado pelo crescimento e desenvolvimento econômico reforça a tendência das pessoas a competividade e a inveja. Por isso, costumo dizer que um bom nível de vida não consiste em ter posses, mas sim em fazer parte de um grupo de pessoas nas quais podemos confiar: pertencer ao mesmo mandala, como costumamos dizer no Budismo.

Ma se nos sentimos isolados em vida, o que dizer da sensação de isolamento que sentiremos quando estivermos enfrentando a morte?

O medo da morte esta baseado em nosso sentimento de solidão: “A morte é extremamente assustadora, mas o motivo pelo qual temos tanto medo dela é o fato de já nos sentirmos separados dos outros. Nosso medo já nos fechou e separou de tudo que amamos e com que nos preocupamos”.
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Atender à necessidade de sentir-se próximo faz parte do crescimento espiritual, pois a proximidade nos garante o conforto da certeza do pertencimento.

  1. Robert Sardello, Liberte Sua Alma do Medo. Ed.Fissus, p.189.

  2. Jeremy Hayward, O Mundo Sagrado, Ed.Rocco, p.116.

Texto extraído do Livro das Emoções, Bel Cesar, Ed Gaia
Bel Cesar é psicóloga clínica com formação em musicoterapia no Instituto Orff em Salzburgo, Áustria – Pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano – Presidiu o Centro de Dharma da Paz Shi De Choe Tsog, em São Paulo, por 16 anos tornando-se presidente honorária em 2004.