terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Como superar a solidão

Solidão da alma

O sentido de inteireza nos leva a superar a dor da solidão: voltamos a amar.

Quando nos sentimos sós, julgamo-nos desconectados de qualquer fonte de contato humano, rompemos os cabos de ligação com o mundo que geram calor e a razão de estarmos vivos. É como Andrew Dolomon descreve o processo de depressão: “A depressão é a imperfeição no amor. Para podermos amar, temos que ser criaturas capazes de se desesperar ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, degrada o eu da pessoa e finalmente eclipsa sua capacidade de dar e receber afeição. É a solidão dentro de nós que se torna manifesta, e destrói não apenas a conexão com outros, mas também a capacidade de estar apaziguadamente apenas consigo mesmo.

A solidão cresce em nosso interior quando nos distanciamos de nossas próprias necessidades espirituais. Ao nos desenvolvermos espiritualmente, ativamos a consciência de que pertencemos a uma rede infinita de fenômenos, conhecidos no Budismo por Tendrel ou Surgimento Interdependente. Como me disse Lama Gangchen em certa ocasião: “No absoluto somos uma só mente: um só continuum mental”.

Quando nos sentimos sós, estamos conectados ao medo, raiva e orgulho, causas e condições negativas surgidas interdependentemente. No entanto, podemos conectar às causas e condições positivas surgidas interdependentemente por meio de ações de corpo, palavra e mente motivadas pela paz interior. Neste sentido, não há por que nos sentirmos sós: estamos interligados tanto no nível material como sutil. Aliás, será esse sentimento de participação cósmica que irá nos ajudar a lidar com a sensação de “não estar mais aqui e ainda não estar lá” quando enfrentamos nossa morte.

Para atingir nossa paz interior, devemos começar por corrigir a idéia de que “somos seres solitários”, abandonados e soltos como satélites desativados, perdidos no universo. Precisamos também reconhecer as limitações que surgem comumente quando decidimos transformar esta auto-imagem negativa. Por exemplo, é natural que nosso sentimento de inadequação aumente quando nos sentimos incapazes de nos conectar com o afeto daqueles que querem nos ajudar a sair da solidão. Pois só quando nos sentirmos capazes de dar amor é que iremos nos abrir para receber amor.

É interessante notar como, na maioria das vezes, a solidão está baseada no orgulho de “não precisar de ninguém”. Isto ocorre quando fechamos o coração após nos auto-sustentarmos sob condições áridas e hostis.

Assim explica o filósofo cristão Thomas Merton: “O ódio é sinal e expressão da solidão do ser isolado, da insuficiência, da indignidade. E, na medida em que cada um de nós é solitário, isolado e se sente pouco digno, cada um de nós se odeia a si próprio. Alguns estão conscientes desse auto-ódio, e por causa dele se repreendem a si próprios e se castigam desnecessariamente. O castigo não pode curar o sentimento de que não somos dignos. Não há nada que possamos fazer em relação a isso enquanto nos sentimos isolados, insuficientes, desamparados e sós. Outros, menos conscientes desse auto-ódio de que são portadores, o realizam de forma diversa, projetando-o sobre o próximo. Existe uma auto-abominação orgulhosa que confia em si; pesada e cruel, quer saborear o prazer de odiar, pois esse sentimento se dirige para fora, alvejando a indignidade alheia. Mas esse forte e alegre ódio não compreende que, como todo ódio, destrói e consome o “eu” que odeia e não o objeto odiado”. (1)

O auto-ódio projetado sobre o próximo faz com que criemos inimigos: passamos a ver certas pessoas como “monstros-fantasmas” que nos trazem impedimentos e nos despertam muita raiva. Produzimos assim um círculo vicioso de relacionamentos baseados no prazer negativo: mesmo sem nos darmos conta, sentimos prazer ao ver nosso “suposto inimigo” sofrendo.

É importante perceber quando nós próprios nos tornamos objetos do prazer negativo alheio. Neste caso, cabe a nós deixarmos de ser cúmplices desta trama e trazer consciência à situação por meio de uma conversa honesta, na qual cada um pode abertamente expressar seu medo e raiva. No entanto, se as condições para tal conversa não estiverem amadurecidas, como, por exemplo, se o outro resistir a abrir-se para revelar seus sentimentos, devemos pelo menos procurar evitar as situações que facilitam nosso envolvimento padrão negativo.

Reconheci este mecanismo em minha vida no meu relacionamento com pessoas que me prestavam serviços: a tarefa em si era mal feita ou nem mesmo chegava a ser cumprida, trazendo-me danos e, no mínimo, irritação. Assim, pude identificar que havia ausência de afeto em nosso relacionamento. Ao conversar com elas objetivamente sobre as falhas ocorridas, em geral, elas reconheciam seus erros mas não chegavam à reparação, pois logo mais adiante, este padrão surgia novamente. Percebi, por exemplo, que eu lhes causava medo e raiva por se sentirem em dúvida sobre a capacidade de realizarem suas funções. O medo de errar as deixava suscetíveis a críticas. Desta forma, elas facilmente me viam como “monstro-fantasma”, e, portanto, não tinham disponibilidade afetiva para me ajudar. O medo dos outros revela, em última instância, o medo de nós mesmos.

Busquei, então, esclarecer este mecanismo de comunicação com elas, e passamos a evitar situações que podiam gerar novamente o conflito até resgatar a calma, com a qual podemos gerar confiança para não repetir tal padrão. Desde então, busco me auto-observar, de modo a reconhecer em mim mesma se estou agindo a partir do me ou do afeto. Ao reconhecer o medo, procuro me retrair até recuperar a calma interna. Nestes momentos, reconheço que estou me sentindo de fato só, mas sei que ao me acolher estarei criando as condições básicas para mudar. Assim como Lama Gangchen nos inspira a pensar quando diz: “Se dermos um direcionamento positivo para a nossa mente, todas as pessoas surgirão como amigos para nos ajudar”.

Enquanto estivermos presos pela raiva de nos sentirmos sós, viveremos um paradoxo, queremos receber afeto, mas não estamos dispostos a nos abrir para ele. Isso ocorre justamente porque é ao dar afeto que nos sentimos munidos de afeto.

A falta de contato conosco mesmos que cria a sensação de solidão e isolamento. “A verdadeira individualidade não é a solidão. Significa uma força interior, um vir a conhecer nossa verdadeira humanidade, um fortalecimento da capacidade de enfrentar o medo. Sentimos solidão não devido à falta de companheiro, mas porque não estamos à vontade conosco mesmo. O vazio que sentimos não pode ser preenchido por outra pessoa, embora a princípio nos sintamos completados pelo outro. Depois de um tempo, o vazio interior se intensifica, em geral forçando-nos a olharmos para dentro. Não conseguimos nos sentir à vontade conosco mesmos até que tenhamos desenvolvido um espaço interior.” (1)

Vivemos em uma sociedade em que as pessoas acham cada vez mais difícil demonstrar afeto para os outros. O caos gerado pelo crescimento e desenvolvimento econômico reforça a tendência das pessoas a competividade e a inveja. Por isso, costumo dizer que um bom nível de vida não consiste em ter posses, mas sim em fazer parte de um grupo de pessoas nas quais podemos confiar: pertencer ao mesmo mandala, como costumamos dizer no Budismo.

Ma se nos sentimos isolados em vida, o que dizer da sensação de isolamento que sentiremos quando estivermos enfrentando a morte?

O medo da morte esta baseado em nosso sentimento de solidão: “A morte é extremamente assustadora, mas o motivo pelo qual temos tanto medo dela é o fato de já nos sentirmos separados dos outros. Nosso medo já nos fechou e separou de tudo que amamos e com que nos preocupamos”.
(2)

Atender à necessidade de sentir-se próximo faz parte do crescimento espiritual, pois a proximidade nos garante o conforto da certeza do pertencimento.

  1. Robert Sardello, Liberte Sua Alma do Medo. Ed.Fissus, p.189.

  2. Jeremy Hayward, O Mundo Sagrado, Ed.Rocco, p.116.

Texto extraído do Livro das Emoções, Bel Cesar, Ed Gaia
Bel Cesar é psicóloga clínica com formação em musicoterapia no Instituto Orff em Salzburgo, Áustria – Pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano – Presidiu o Centro de Dharma da Paz Shi De Choe Tsog, em São Paulo, por 16 anos tornando-se presidente honorária em 2004.

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