segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O Cântico dos Cânticos


O valor do poético, do romântico, do delicado, é fundamental no Amor, é aquilo que na verdade lhe dá vida e esplendor. Por este motivo, não poderíamos dar por terminado este capítulo sem colocar aqui alguns fragmentos do mais maravilhoso poema de amor de todos os tempos, O Cântico dos Cânticos, pelo que parece, foi escrito há uns 3000 anos atrás, nele se relata na verdade, não uma história e sim um fluxo de sentimentos entre dois amantes legendários: o rei Salomão e a rainha de Sabá(*).

O Cântico dos Cânticos é um dos livros sagrados da Bíblia, contrastando muitos de seus versículos - clara e deliciosamente eróticos - com os ensinamentos repressivos sobre o amor e o sexo que foram ditados vários séculos depois, e em alguns casos até o presente por várias religiões auto-intituladas de cristãs.

Esta obra é um dos livros mais curtos da Bíblia, apenas cinco páginas e somente 117 versículos, nos quais falam intercaladamente as duas personagens.


Vejamos alguns fragmentos selecionados:


- Ela: "Beije-me ele com os beijos da sua boca; pois melhor é seu amor do que o vinho"... "O meu amado é para mim um ramalhete de mirra; morará entre meus seios"... "Como um ramalhete de hena nas vinhas de En-Gedi, é para mim o meu amado"... "Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales"... "Quão formoso és, ó amado meu! Quão amável és! O nosso leito é viçoso"... "Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os jovens. Desejo muito a sua sombra, e debaixo dela me assento. O seu fruto é doce ao meu paladar".


- Ele: "Como és formosa, ó amiga minha! Como és formosa! Os teus olhos são como os das pombas"... "Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha amada entre as donzelas"... "A figueira já deu seus figos, e as vides em flor exalam o seu aroma. Levanta-te, amada minha, formosa minha, e vem"... "Pomba minha, que andas pelas fendas das penhas, no oculto das ladeiras, mostra-me a tua face, faze-me ouvir a tua voz, pois a tua voz é doce, e o teu rosto formoso".

- Ela: "Eu dormia, mas meu coração velava. Ouvi! A voz do meu amado, que está batendo: Abre-me, minha irmã, amada minha, pomba minha, minha imaculada. A minha cabeça está cheia de orvalho, os meus cabelos das gotas da noite"... "O meu amado meteu a mão pela fresta da porta, e as minhas entranhas estremeceram por amor dele"... "Eu me levantei para abrir ao meu amado, e as minhas mãos destilavam mirra sobre a maçaneta da fechadura" (Veja-se de que maneira deliciosamente delicada fala-se da relação sexual entre eles e dos sentimentos da mulher nesse maravilhoso momento).


- Ele: "Os teus olhos são como os das pombas, e brilham através do teu véu. O teu cabelo é como o rebanho de cabras que pastam no monte Gileade. Os teus dentes, são como o rebanho das ovelhas tosquiadas, que sobem o lavadouro, e das quais todas produzem gêmeos, e nenhuma há estéril entre elas"... "Os teus lábios são como um fio de escarlate, a tua boca é doce"... "Os teus dois seios são como dois filhos gêmeos da gazela, que se apascentam entre os lírios"... "Tu és toda formosa, amada minha; em ti não há defeito"... "Que belos são os teus amores, ó minha irmã, noiva minha! Quão melhores são os teus amores do que o vinho, e o aroma dos teus bálsamos do que o de todas as especiarias!"... "Favos de mel manam dos teus lábios, noiva minha! Mel e leite estão debaixo da tua língua, e o perfume dos teus vestidos é como a fragrância do Líbano"... "Os teus renovos são um pomar de romãs, com frutos excelentes, com a hena e com o nardo; o açafrão, o cálamo e a canela, com toda a sorte de árvores de incenso; a mirra e o aloés, com todas as principais especiarias"... "És a fonte dos jardins, poço das águas vivas, ribeiros que correm do Líbano".

- Ela: "O meu amado é alvo e rosado, o primeiro entre dez mil"... "A sua cabeça é como o ouro mais apurado, os seus cabelos são crespos, pretos como o corvo"... "Os seus olhos são como os das pombas junto às correntes das águas, lavados em leite, postos em engaste"... "As suas faces são como um canteiro de bálsamo, como colinas de ervas aromáticas. Os seus lábios são como os lírios que gotejam mirra"... "As suas mãos são como anéis de ouro que têm engastadas as turquesas. O seu ventre é como alvo marfim, coberto de safiras"... "As suas pernas são como colunas de mármore, fundadas sobre bases de ouro puro"... "A sua boca é muitíssimo doce; ele é totalmente desejável. Tal é o meu amado, e tal o meu amigo, ó filhas de Jerusalém".

- Ele: "Quão formosos são teus pés nos sapatos, ó filha do príncipe! As voltas das tuas coxas são como jóias, trabalhadas por mãos de artista"... "O teu umbigo é como uma taça redonda a que não falta bebida. O teu ventre é como um monte de trigo, cercado de lírios"... "Os teus dois seios são como dois filhos gêmeos da gazela"... "O teu pescoço é como a torre de marfim. Os teus olhos são como piscinas de Hesbon. O teu nariz é como a torre do Líbano, que olha para Damasco"... "A tua cabeça é como o monte Carmelo. Os cabelos da tua cabeça são como a púrpura; o rei está preso pelas suas tranças"... "Quão formosa, e quão adorável és, ó amor em delícias"... "A tua estatura é semelhante à palmeira, e os teus seios aos cachos de uvas"... "Dizia eu: Subirei à palmeira; pegarei em seus frutos. Sejam os teus seios como os cachos da vide, e o aroma da tua respiração como o das maçãs, e os teus beijos como o bom vinho, que se bebe suavemente e faz com que falem os lábios dos que dormem" (Os seios da mulher amada sempre foram motivos de intensa atração para os homens, mas pouquíssimos os incluíram na arte poética; talvez o peso do puritanismo e o temor de serem acusados de pornográficos, tem impedido que a inspiração passasse para o papel; contudo, Salomão conseguiu fazê-lo há trinta séculos com uma pureza de sentimentos inigualável).


-Belíssimos fragmentos, não é verdade? Mas perceberam uma coisa? O que as mais inteligentes feministas do final do século vinte (não as outras, que apenas querem equiparação com as deformações e taras que os homens temos herdado através dos séculos e dos milênios) levantam como ideal supremo, ou seja, a igualdade de auto-expressão, a igualdade no relativo ao desenvolvimento e florescimento da personalidade, a igualdade no referente à iniciativa amorosa, o equilíbrio entre o amor dado e o amor recebido, a harmonia essencial entre os sentimentos dos homens e os sentimentos das mulheres, já era vivenciado pelo rei Salomão e a rainha de Sabá, três mil anos atrás.

Ele era o esposo, o amante, o amigo, o irmão; ela era a esposa, a amante, a amiga, a irmã. Os dois fundiam-se num só como o grão de pólen e o óvulo o fazem no transcendente mistério da fecundação, transformando-se depois na vibrante realidade que é o fruto.

Aprendamos de novo a amar - é a nova e maravilhosa chave!

José A Bonilla é professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Temas: A Arte de Amar e Ser Amado, Educação para a Vida e Vida Espiritual. Autor de 18 livros e 247 artigos científicos e de divulgação.


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