quinta-feira, 30 de abril de 2009

Parar, Acalmar-se, Descansar e Curar-se

Existe uma história zen sobre um homem e um cavalo. O cavalo está galopando rapidamente, e parece que o homem que cavalga se dirige a algum lugar importante. Outro homem, em pé ao lado da estrada, grita: "Aonde você está indo?" e o homem a cavalo responde: "Não sei. Pergunte ao cavalo!" Esta é a nossa história. Estamos todos sobre um cavalo, não sabemos aonde vamos e não conseguimos parar. O cavalo é a força de nossos hábitos que nos puxa, e somos impotentes diante dela. Estamos sempre correndo, e isso já se tornou um hábito. Estamos acostumados a lutar o tempo todo, até mesmo durante o sono. Estamos em guerra com nós mesmos, e é fácil declarar guerra aos outros também.

Precisamos aprender a arte de fazer cessar — parar nosso pensamento, a força de nossos hábitos, nossa desatenção, bem como as emoções intensas que nos regem.

Quando uma emoção nos assola, ela se assemelha a uma tempestade, que leva consigo a nossa paz. Nós ligamos a TV e depois a desligamos, pegamos um livro e depois o deixamos de lado. O que podemos fazer para interromper este estado de agitação? Como podemos fazer cessar o medo, o desespero, a raiva e os desejos?

É simples.

Podemos fazer isso através da prática da respiração consciente, do caminhar consciente, do sorriso consciente e da contemplação profunda — para sermos capazes de compreender.

Quando prestamos atenção e entramos em contato com o momento presente, os frutos que colhemos são a compreensão, a aceitação, o amor e o desejo de aliviar o sofrimento e fazer brotar a alegria. Mas a força do hábito costuma ser mais forte do que nossa vontade. Dizemos e fazemos coisas que não queremos e depois nos arrependemos. Causamos sofrimento a nós mesmos e aos outros, e de forma geral produzimos grande quantidade de destruição.

Podemos ter a firme intenção de nunca mais fazer isso, mas sempre acabamos fazendo de novo. Por quê? Porque a força do hábito (vashana) acaba vencendo e nos levando de roldão. Precisamos da energia da atenção plena para perceber quando o hábito nos arrasta, e fazer cessar esse comportamento destrutivo.

Com atenção plena, temos a capacidade de reconhecer a força do hábito a cada vez que ela se manifesta. "Alô força do hábito, sei que você está aí!" Nessa altura, se conseguirmos simplesmente sorrir, o hábito perderá grande parte de sua força.

A atenção plena é a energia que nos permite reconhecer a força do hábito e impedi-la de nos dominar. Por outro lado, o esquecimento ou negligência é o oposto. Tomamos uma xícara de chá sem sequer perceber o que estamos fazendo. Sentamo-nos com a pessoa que amamos mas não percebemos que a pessoa está ali. Andamos sem realmente estar andando. Estamos sempre em outro lugar, pensando no passado ou no futuro. O cavalo dos nossos hábitos nos conduz, e somos prisioneiros dele. Precisamos deter este cavalo e resgatar nossa liberdade.

Precisamos irradiar a luz da atenção plena em tudo o que fizermos, para que a escuridão do esquecimento desapareça. A primeira função da meditação — shamatha — é fazer parar.

A segunda função da shamatha é acalmar. Quando sofremos uma emoção forte, sabemos que talvez seja perigoso agir sob sua influência, mas não temos força nem clareza suficientes para nos abstermos. Precisamos aprender a arte de respirar, de inspirar e expirar, parando tudo o que estamos fazendo e acalmando nossas emoções. Precisamos aprender a nos tornar mais estáveis e firmes, como se fôssemos um carvalho, e não nos deixar arrastar pela tempestade de um lado para outro.

O Buddha ensinou uma variedade de técnicas para nos ajudar a acalmar corpo e mente, e considerar a situação presente em toda a sua profundidade. Essas técnicas podem ser resumidas em cinco estágios:

1. Reconhecimento: se estamos zangados, dizemos "reconheço que a raiva está dentro de mim".

2. Aceitação: quando estamos zangados, não negamos a raiva. Aceitamos aquilo que está presente em

3. Acolher: abraçamos a raiva como faz uma mãe com o filho que chora. Nossa atenção plena acolhe a emoção, e só isso já é capaz de acalmar a raiva e a nós mesmos.

4. Olhar em profundidade: quando nos acalmamos o suficiente, conseguimos observar profundamente para entender o que provocou a raiva, ou seja, o que está fazendo o bebê chorar.

5. Insight: o fruto do olhar profundo é a compreensão das causas e condições, tanto primárias quanto secundárias, que provocaram a raiva e fizeram nosso bebê chorar. Talvez ele esteja com fome. Talvez o alfinete da fralda o esteja machucando. Talvez nossa raiva tenha surgido quando um amigo nos falou em um tom ofensivo, mas de repente nos lembramos de que essa pessoa não está bem hoje porque seu pai está muito doente. Continuamos a refletir dessa forma até compreendermos a causa de nosso atual sofrimento. A compreensão nos dirá o que fazer ou não fazer para mudar a situação.

Depois de nos acalmarmos, a terceira função da shamatha é o repouso. Suponha que alguém nas margens de um rio joga uma pedra para o ar e a pedra cai no rio. A pedra afunda lentamente e chega ao fundo do rio sem esforço algum. Depois que a pedra chega ao fundo do rio, ela descansa, deixando que a água passe por ela.

Quando sentamos para meditar podemos nos permitir repousar da mesma forma que essa pedra. Podemos nos deixar afundar naturalmente, na posição sentada — repousando, sem fazer esforço.

Temos que aprender a arte de repousar, permitindo que nosso corpo e nossa mente descansem. Se tivermos feridas em nosso corpo e em nossa mente precisamos repousar para que elas possam por si só se curar.

O ato de se acalmar produz o repouso, e o descanso é um pré-requisito para a cura. Quando os animais selvagens estão feridos, eles procuram um lugar escondido para deitar, e descansam completamente por muitos dias. Não pensam em comida nem em mais nada. Apenas descansam, e com isso obtêm a cura de que precisam.

Quando nós seres humanos ficamos doentes, nos preocupamos o tempo todo. Procuramos médicos e remédios, mas não paramos. Mesmo quando vamos para a praia ou para as montanhas com a intenção de descansar, não chegamos realmente a repousar, e voltamos mais cansados do que partimos.

Temos que aprender a repousar. A posição deitada não é a única posição de descanso que existe. Podemos descansar muito bem durante meditações sentados ou caminhando. A meditação não deve ser um trabalho árduo. Simplesmente permita que seu corpo e sua mente descansem, como o animal no mato. Não lute. Não há necessidade de fazer nada nem realizar nada. Eu estou escrevendo um livro, mas não estou lutando. Estou descansando. Por favor, leiam este livro de uma forma alegre e relaxante. O Buddha disse: "Meu Dharma é a prática do não-fazer."1

Pratiquem de uma forma que não seja cansativa, mas que seja capaz de proporcionar descanso ao corpo, às emoções e à consciência. Nosso corpo e mente sabem curar a si mesmos se lhes dermos uma oportunidade para isso. Parar, acalmar-se e descansar são pré-requisitos para a cura.

Se não conseguirmos parar, nosso ritmo de destruição simplesmente vai prosseguir. O mundo precisa imensamente de cura. Os indivíduos, comunidades e países estão cada vez mais necessitados de cura.

Por Thich Nhat Hanh

domingo, 26 de abril de 2009

O estoiticismo

O Estoicismo é uma escola filosófica de origem grega, fundada por volta do ano 300 a.C., por Zenão de Cício. O Estoicismo vê a filosofia constituída de três partes interligadas: a física, a lógica e a ética. É a sua ética, porém, que mais influenciará o pensamento ocidental e o Cristianismo dos primeiros séculos e até hoje muitos de seus fundamentos estão presentes na filosofia contemporânea.

A idéia de uma razão divina a governar o mundo, a visão do homem como um ser racional e cidadão do mundo além da condenação da exaltação das emoções são alguns dos princípios estóicos. Defendiam ainda a igualdade entre os homens e criam que são as paixões as produtoras de males como ambição, vaidade, crueldade, por exemplo.

O que mais se destacou no campo ético da filosofia estóica foi o ideal de ATARAXIA, a imperturbabilidade, a ser perseguida pelo homem que busca ser sábio. Ser sábio, nessa direção, é ser feliz e, para ser sábio, o homem precisa se harmonizar com a natureza, suportando os sofrimentos da existência, dominando suas paixões até alcançar a vida contemplativa onde não mais sofrerá diante dos acontecimentos naturais na ordem das coisas, atingindo a serenidade.

Sêneca e a constância do sábio

Sigamos com a reflexão em torno do texto de Sêneca, A CONSTÂNCIA DO SÁBIO, buscando suas contribuições sobre a arte de enfrentar problemas nos relacionamentos humanos, especialmente as injúrias ou ofensas graves e as contumélias, ou insultos leves.

Comecemos pela lúcida assertiva abaixo:

“Não há nada, na Natureza, de tão sacro que não seja atingido por algum desrespeito”. (Sêneca: 2007, p. 25)

Sêneca nos afirma, em seu distante tempo histórico, que nem as coisas divinas estão fora do desejo de alguém intentar contra sua magnitude, fato ainda e tão mais presente nos dias de hoje, quer através da negação de Deus, do sectarismo religioso e até de posturas belicosas e destrutivas, em nome do sagrado.

O homem que busca ser virtuoso, claro, deve estar consciente de que está infinitamente mais exposto aos ataques daqueles que querem alvejá-lo, apenas porque movimenta-se para a luz, só por isso.

Para esse enfrentamento, Sêneca identifica como importante a atitude de reação perante injúrias e insultos como um exercício de paciência, ânimo e capacidade de armazenar energia para prosseguir e não se deixar abater.

No capítulo II, o autor busca distinguir entre injúria ou ofensa e a simples contumélia, ou seja, o insulto provocativo de pouca monta ou importância.

A injúria, esclarece, é mais grave do que o insulto, pois busca intencionalmente fazer o mal a alguém, diminuir esse alguém. Se esse alguém já se tornou sábio, no entanto, olhará o fato sem se alterar, convicto de que nada interior perde pois, se já tem a virtude, essa injúria não lhe atingirá em sua intimidade e profundidade. Ilustrando a idéia exposta Sêneca lembra o exemplo do filósofo Estilpão ao responder a Demétrio, conquistador de sua cidade, Megara, se havia sido espoliado de alguma coisa, ao dizer:
NADA PERDI. TUDO O QUE É MEU ESTÁ COMIGO”. Sábia resposta para quem tinha sido espoliado nas coisas materiais, mas que conservava, incólume, suas conquistas, seu verdadeiro tesouro: idéias, valores, virtudes.

Sêneca apresenta a afirmativa síntese de Estilpão, nos termos seguintes:
“EU, DE MINHA PARTE, APESAR DE TUDO TER PERDIDO, MANTENHO-ME NA POSSE PLENA DO QUE ME PERTENCE.”

Continuando a apresentar seus argumentos a partir do exemplo de Estilpão, o autor considera que a injúria pode acontecer sempre, pois é fruto da ação deliberada de alguém, mas não significa que tenha ressonância junto àquele que é sábio, capaz de suportar golpes tais como:
acusador contratado, pedras caluniosas, poderosos irritados e roubalheiras...(idem, p. 43).

Somos humanos e, por essa razão, Sêneca entende que ninguém recebe uma injúria sem alguma perturbação, ainda que rápida, mas se esse alguém já é um sábio, mantém-se firme, bem disposto e bem-humorado, paciente e com grandeza de alma.

A partir do capítulo VII, o filósofo estóico analisará a contumélia, ou insulto, uma ofensa menor, mais queixume do que maldade ou vingança.

Os melindres e os desejos de destaques não atendidos, quando interiorizados, tornam algumas pessoas alteradas emocionalmente e que passam a se apresentar como indivíduos soberbos e insolentes.

Contumélia é palavra derivada do vocábulo
“desprezo”, diz o autor em destaque. Os indivíduos que agem movidos por essa emoção são denominados de “adultos criançolas”, o que hoje chamaríamos de indivíduos imaturos, que mesmo se encontrando na fase adulta fisiológica, mantêm fortes traços comportamentais infantilizados.

O sábio reage a esses como quem enfrenta crianças que brincam de modo desagradável, exigindo corrigenda. A reação do sábio é como a do médico diante do paciente que manifesta sua fraqueza e criancice. O médico é seguro e o sábio reage com segurança às contumélias diversas, às grosserias, tentativas de corrupção e até bofetadas, por identificar a infantilização de seus autores.

Nos capítulos seguintes, Sêneca comenta a fragilidade do enlouquecido Imperador Calígula ao enfrentar e fomentar as contumélias e destaca as reações sábias dos gregos Sócrates e Antístenes.

Finalmente, com grande sabedoria, o filósofo estóico recomenda que não nos fixemos nessas pequeninas coisas sob pena de comprometermos nossa tarefa de realizar as coisas necessárias à aquisição da sabedoria, pois não há quem não esteja apto a desferir a contumélia, já que ela está ao alcance de todos.

De modo brilhante, conclui que há o aspirante a sábio e o verdadeiro sábio diante das injúrias e insultos. O primeiro é o homem, o segundo é o sábio. O primeiro luta, o segundo já desfruta da vitória.

O recado final de Sêneca fica para meditação de todos nós:

“CUIDA ENTÃO DE DEFENDER O LUGAR QUE A NATUREZA TE OUTORGOU.”

Que lugar é esse? A sabedoria.

Palavras finais

Nesses tumultuados dias onde em nossa comunidade as acusações, ofensas e contumélias se apresentam entre nós, somos todos chamados, absolutamente todos, a meditar em torno das nossas atitudes e sentimentos nos relacionamentos que travamos no interior das Casas e do próprio Movimento como um todo.

As recomendações do Evangelho à luz da Doutrina Espírita aí estão a nos esclarecer quanto ao melhor caminho a seguir nos difíceis e intrincados processos de convivência social, naturalmente reveladora de conflitos, porque humana.

Evidente que devemos, por outro lado, desenvolver estratégias e criar espaços de discussão em torno de questões sobre as quais precisamos de esclarecimento ou possuímos pensamento divergente. Isso, porém, é responsabilidade de todos, a ser construída coletiva, fraternal e sabiamente, como diriam os estóicos.

Bibliografia:
JAPIASSÚ, H. & MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª ed. RJ: Jorge Zahar ed., 1996.
SÊNECA. A Constância do Sábio. SP: ed. Escala , 2007.

1
Contumélias: Expressão usada por Sêneca para indicar os insultos leves, menos graves do que as injúrias

Sandra Borba Pereira

Fonte: Jornal Mundo Espírita - Dezembro/2007

Amizade - Como conservá-la


Por Carlos Bernardo González Pecotche (Raumsol)

Um conceito que gostaria de apresentar-lhes, precisamente nestes momentos em que existe o perigo de os homens se afastarem dele e sobrevir o mais espantoso dos desvios humanos, é aquele que foi consagrado por quase todos os povos do mundo como algo que jamais deveria ser alterado: o conceito de amizade.

Este conceito tem-se debilitado não somente entre os povos da Terra como também nos pequenos núcleos de homens; isso será, sem dúvida, a causa iniludível de más conseqüências para o futuro.

A amizade – já disse e é comum ao entendimento de todos – nasce da simpatia mútua mas, muito especialmente, da semelhança de certos pensamentos que movem e inclinam uns e outros para mais ou menos iguais preferências.

Quando a amizade se torna um conceito entre as partes de um conjunto, esse conceito rege-as todas. Não pode nenhuma delas fazer dessa amizade um uso particular, diferente do que faz o conjunto ou a parte com a qual travou amizade, porquanto estaria abusando da generosidade do conceito, ao qual deve render o culto de sua lealdade.

Deve-se cultivar o respeito, principalmente se essa amizade nos honra e nos é sadia e agradável.

Quando a amizade não une os homens é porque algo impede seu acercamento e os separa; e, quando a amizade não existe, tampouco existe o apreço nem pode se inspirar confiança entre eles.

Não havendo amizade, a reserva recíproca é um fato lógico; mas, quando ela une os homens em disposição de generosa tolerância, auxílio e colaboração mútua, toda reserva, todo isolamento, conduz ao debilitamento dessa amizade e o conceito sofre pelo mau uso que se faz dele.

Tenho visto como padece e se ressente a amizade quando quem faz dela um culto e a distribui prodigamente sem traí-la jamais em seus impulsos naturais de expressão não é correspondido com a franqueza, a lealdade, a clareza e a simplicidade que convêm ao conceito.

Inevitavelmente, nestes casos, sobrevém a dúvida; o ser sofre e se esforça por conservar dentro de si a pureza dessa amizade mas, afinal, a não correspondência reiterada provoca a reação, e é aí onde a amizade se rompe e surge a inimizade.

Tenho pensado repetidas vezes nisto e observado que, se os seres humanos prestassem mais atenção aos deveres que contraem uns com os outros, evitariam para si muitos sofrimentos, muitos tropeços e conservariam muitos amigos.

Trechos extraídos do livro Introdução ao Conhecimento Logosófico, págs. 214 a 215

sábado, 25 de abril de 2009

Como conquistar a paz interior

Em 1988, quando Lama Gangchen Rinpoche esteve no Brasil pela segunda vez, ele nos disse: Para a conquista da paz interna, o primeiro passo é nos dizer: Eu sou lindo. Primeiro, precisamos dar muito amor para nós mesmos. Nossa mente cria tudo, ela precisa aprender a ver o positivo. Mas, como nossa mente está muito próxima do negativo, sempre encontramos desculpas para ver o negativo. Dizemos `sim´ para uma atitude positiva, e em seguida dizemos `mas´ e voltamos para a atitude negativa.

Só quando conseguirmos superar esse hábito de pensar negativamente, é que poderemos tomar uma decisão profunda de querer mudar. Pois é a mente negativa que não nos deixa tomar decisões. A decisão firme purifica a negatividade automaticamente e transforma a escuridão em luz. Aceitar é muito precioso. Por isso, escutar os ensinamentos é tão precioso, porque expressa nossa decisão de aprender, de querer mudar.

A consciência daquilo que é preciso aceitar como real e inevitável pode surgir quase de imediato em nossa mente, mas a aceitação emocional do mesmo fato pode levar muito tempo para ocorrer. Costumamos dizer: Eu entendo, mas não aceito, quando intelectualmente aceitamos algo que, emocionalmente, ainda relutamos em aceitar.

A aceitação não é um ponto de acomodação ou de resignação, mas sim um ponto de partida. Afinal, se quisermos transformar algo, precisamos nos apropriar dele. Senão, o que iríamos transformar?

Aceitar um fato doloroso é como aprofundar cada vez mais a densa e resistente camada que encobre o núcleo de nosso interior. Desse modo, nos aproximamos do que Jung denomina de Self.

Segundo ele, quando tocamos a consciência do Self, que é a plenitude da psique, nos tornamos inteiros por funcionar como um todo organizado - isto é, não estamos mais divididos por nossos opostos, - pois reconhecemos que são complementares.

Aquele que busca individuar-se não tem a mínima pretensão de tornar-se perfeito. Ele visa completar-se, o que é muito diferente. E para completar-se terá de aceitar o fardo de conviver conscientemente com tendências opostas, irreconciliáveis, inerentes à sua natureza, tragam estas as conotações de bem ou de mal, sejam escuras ou claras.

Aceitar que temos sentimentos paradoxais em relação a muitas situações da vida: queremos e não queremos ou gostamos e não gostamos ao mesmo tempo, nos ajuda a fazer as pazes com nosso mundo interior. A cada dia em que a aceitação emocional cresce, aproximamo-nos um pouco mais da verdadeira natureza de nossa mente, que é sempre clara e confiante.

Quando paramos de lutar contra a dor do sofrimento, estamos preparados para conhecê-lo. A curiosidade por conhecer as causas de nosso sofrimento é outra atitude compassiva que despertamos em nosso interior.

A Segunda Nobre Verdade:
O sofrimento tem suas causas


A segunda nobre verdade refere-se à origem do sofrimento. A principal causa de todo sofrimento é a visão incorreta que temos da realidade: pensamos que tudo existe por si mesmo e pode durar para sempre. Assim, desenvolvemos o apego, a raiva e a ignorância: os três venenos mentais raízes.

Materializamos nosso mundo subjetivo nas coisas, situações e pessoas, por meio da projeção. Por exemplo, se desde pequenos apreciamos tomar Coca-cola, agora, ao vê-la, automaticamente pensamos que ela é gostosa. Assim, atribuímos à Coca-cola a qualidade de ser boa por si só, e nos esquecemos que somos nós que a experimentamos e que a qualificamos como boa.

A cada momento, então, interpretamos a realidade como positiva ou negativa de acordo com as nossas projeções mentais. O mecanismo de projeção interfere em todas as circunstâncias de nossa vida, apesar de estarmos convictos que a realidade existe por si só, objetivamente, fora de nós.

A visão de que tudo tem uma existência própria e independente, nos leva a acreditar que possuímos um eu que é livre e autônomo, uma [...] entidade distinta, concreta, sólida – independente e separada de quaisquer outros fenômenos. Nesse sentido, é natural que o ego se converta numa barreira intransponível entre a pessoa e o resto do mundo, sem a chance de comunicação e comunhão verdadeiras, não apenas com os outros, mas também com o âmago de si mesma. É preciso demolir essa barreira e este é o problema principal do caminho da libertação .


Sua Santidade Dalai Lama escreve:

"Em uma escritura sobre a sabedoria perfeita, Buda faz a seguinte afirmação profunda: A mente não é para ser encontrada na mente; a natureza da mente é a clara luz. Isto é, os estados impuros da mente, como o desejo e ódio, não fazem parte da natureza profunda da mente, pois as impurezas são superficiais, e a verdadeira natureza da mente é a clara luz."

Enquanto não atingirmos a iluminação, isto é, superarmos a ilusão de termos um Eu, o impulso instintivo da projeção fará parte do nosso funcionamento psíquico. Apenas quando extinguirmos esse hábito mental, é que iremos superar este padrão tão arraigado de ignorância que nos impede de reconhecer a verdadeira natureza de nossa mente: que é pura, compassiva e ilimitada.

Ao explicar o que é a verdadeira compaixão, Sogyal Rinpoche nos ensina a compreender, também, a natureza do sofrimento: Compreender o que chamo de sabedoria da compaixão é ver com completa clareza seus benefícios, bem como o dano causado pelo seu oposto.

Temos de fazer uma distinção muito clara entre o que é o interesse do nosso ego voltado para si próprio e o que é nosso interesse maior e supremo. É confundindo um com o outro que vem todo o nosso sofrimento. Continuamos crendo teimosamente que a valorização do eu é a melhor proteção na vida, mas o oposto é que é a verdade.

O apego ao eu cria a valorização do eu, que por sua vez produz uma arraigada aversão ao mal e ao sofrimento. No entanto, o mal e o sofrimento não têm existência objetiva; o que lhe dá existência e poder é somente a nossa aversão a eles.

Quando você entende isso, entende que é nossa aversão que atrai para nós toda negatividade e os obstáculos que podem se nos opor, enchendo nossas vidas de expectativas, ansiedade nervosa e medo. Esgote essa aversão esgotando a mente voltada para si mesma e seu apego a um eu inexistente, e você vencerá todo poder que os obstáculos e negatividades possam ter sobre você. Mesmo porque, como é possível atacar alguém ou alguma coisa que simplesmente não existe?

O Ego é a bota que desgastamos no espinhoso caminho da espiritualidade - escutei, certa vez, Sua Santidade Dalai Lama falar numa entrevista para a televisão.

Por isso, para praticar a Segunda Nobre Verdade em nossa vida, é preciso procurar manter um estado de abertura e relaxamento frente a tudo e a todos. Em outras palavras, seguir o ditado budista “não se apegue, nem rejeite, então tudo será claro”.

A Terceira Nobre Verdade:
“É possível eliminar as causas do sofrimento”


A terceira nobre verdade refere-se à cessação do sofrimento. Não estamos condenados a sofrer para sempre. Portanto, aceitamos o sofrimento para transformá-lo, e não para carregá-lo como uma cruz.

Por toda nossa vida, iremos sentir emoções, faz parte de nossa natureza. No entanto, podemos abandonar o hábito de alimentar as emoções destrutivas.

Lama Michel Rinpoche esclarece: “Sofrimento é ter apego à dor. Uma coisa é a gente ter dor e sofrer com isso; outra é dizer: ‘Está doendo, mas por que vou sofrer, passar mal?’. Dor e sofrimento são coisas diferentes. Uma coisa é a gente ter dor, e outra é ter o sofrimento. Você pode ter a dor e não achar que ela é algo ruim, pode transformá-la”.

Mas, afinal de contas, para que queremos transformar o sofrimento? Só para ter o alívio da dor? Quem já não se pegou falando: “Contanto que eu não sofra, tudo bem”. Será que nosso “sonho de consumo” de viver uma vida em paz está baseado apenas na idéia de não sofrer?

Este seria um propósito baseado numa postura de baixa auto-estima, que não se vê capaz de co-criar, de prosperar. Se nossa idéia de felicidade estiver baseada apenas na premissa de não sentir mais dor, viveremos como parasitas, anestesiados pelos mecanismos de defesa que nos impedem de nos mover frente ao desconhecido.

Hoje em dia, tem aumentado o número de livros e artigos em revistas que buscam definir o que é ser feliz. Acredito que ser feliz é ter, cada vez mais, uma mente aberta, capaz de aceitar as diferenças entre nós e os outros, ter disposição e um sentido maior para superar as dificuldades, e por fim, deixar o mundo à nossa volta um pouco melhor do que era quando nele chegamos e, assim, podermos, ao morrer, partir mais leves. Sinto-me feliz, quando sinto-me inspirada a reconstruir e a compartilhar essa vontade com aqueles que almejam o mesmo.

A felicidade depende da clareza interna

É importante reconhecer que o autoconhecimento depende de nossa dedicação ao mundo exterior. Pois é a relação com o mundo exterior que nos ensina a identificar os nossos limites, assim como potenciais e qualidades positivas.

Quando temos um encontro autêntico com a nossa alma, somos postos frente a frente com o que é verdadeiro para nós. Não podemos mais nos enganar. Vamos ter de lidar diretamente com as nossas limitações.

Identificar nossas limitações não é o problema. Mas é preciso verdadeiramente aceita-las. Sermos sinceros conosco. Caso contrário, estaremos sempre transferindo para os outros nossas próprias dificuldades. Quando tratamos os outros com ironia e sem afeto, estamos, na verdade, reagindo a uma dificuldade pessoal e nem nos damos conta de quanto sofrimento estamos criando para os outros e para nós mesmos. Não ferir os outros é uma ação preventiva para não ferirmos a nós mesmos.

A falta de sinceridade para conosco é que nos paralisa e adia nosso processo evolutivo. O problema, portanto, é tentar negar nossas frustrações e limitações, minimizando-as ou encontrando artifícios e falsas soluções para lidar com elas.

São soluções falsas:

• Dar leveza e superficialidade ao que merece atenção e profundidade.
• Fazer o que os outros mandam para não assumir a responsabilidade sobre nossa própria vida.
• Ser submisso à vontade alheia para não ter autoria sobre nossos desejos e necessidades: a culpa (apesar de não existir legitimamente) recai sempre sobre aquele que evidenciou o seu querer.
• Ser perfeccionista para não aceitar nem a si mesmo, nem aos outros.

Então, vamos deixar claro: lidar com a dor do sofrimento não é uma atitude masoquista nem tampouco manipuladora, mas sim um método para nos movermos para a Quarta Nobre Verdade: o caminho para transformar o sofrimento em paz interna.

Podemos aprender a transformar apego em satisfação, raiva em compaixão, ignorância em sabedoria. E assim, teremos reais condições para dar um sentido verdadeiramente útil à nossa vida: como cuidar da continuidade positiva de nossa mente e do ambiente à nossa volta.

Há muito para ser feito, mas sem uma base energeticamente positiva, não é possível fazer nada. Por isso, para nos mantermos no caminho da contínua transformação do sofrimento em paz interna, temos de nos manter abertos para lidar com as dificuldades que surgirem, isto é, ter disponibilidade emocional para lidar com a dor. Não precisamos evocar mais sofrimento do que já temos para praticar esta transformação. Temos sempre o suficiente potencial de dor latente para praticarmos a Quarta Nobre Verdade.

Quarta Nobre Verdade:
O caminho para eliminar as causas do sofrimento


A quarta nobre verdade refere-se ao caminho que conduz à extinção do sofrimento, conhecido por Nobre Caminho Óctuplo. Ele indica um percurso de oito passos que devemos perfazer, com nosso corpo, fala e mente para superar o sofrimento. Mais pra frente os estudaremos separadamente.

As Oito Nobres Atitudes, ou passos corretos são:
1. O entendimento correto
2. A intenção correta
3. A fala correta
4. A ação correta
5. O modo de vida correto
6. O esforço correto
7. A concentração correta
8. A meditação correta

Em sânscrito, samma quer dizer correto, isto é, o que funciona ou o que é apropriado. “Neste sentido, Correto, no Caminho Óctuplo, não significa certo versus errado, mas sobretudo ver versus não ver. Refere-se a estar em contato com a Realidade, em oposição a ser enganado pelos próprios preconceitos, pensamentos e crenças. Samma se refere à Totalidade em vez de à fragmentaçãoexplica Steve Hagen.

Estarmos dispostos a efetuar uma real mudança em nossa maneira de caminhar é uma atitude resultante do longo processo de amadurecimento das Três Nobres Verdades.

A Quarta Nobre Verdade nos ensina a caminhar sobre nossa própria estrada. Neste sentido, cada um irá precisar ter a sua experiência para obter os benefícios da caminhada. É como tentar contar a alguém a experiência de escalar uma montanha. Podemos compartilhar os relatos, mas o benefício da escalada é apenas daquele que a percorreu.

O mesmo ocorre com os ensinamentos sobre o Caminho Óctuplo: não basta ter uma compreensão intelectual sobre eles, é preciso vivenciá-los. Senão, eles parecerão tão nobres quanto distantes, como se nunca tivéssemos condição de realizá-los. Ao contrário disto, os mestres budistas nos incentivam a sentir os ensinamentos como experiências pessoais, e, portanto, possíveis. Mas, para testar e sentir o sabor de pisar em solo firme, é preciso dar um primeiro passo. Depois que saboreamos o gosto de praticar, não queremos mais parar!

Texto extraído do “O livro das Emoções - Reflexões inspiradas na Psicologia do Budismo Tibetano” de Bel César, Ed. Gaia.


Reforma Íntima

Se você quer transformar o mundo, mexa primeiro em seu interior.
Dalai Lama

Allan Kardec em "O Evangelho Segundo o Espiritismo ", capítulo XVII, ítem 4, nos diz :

"Reconhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral e pelos esforços que faz para dominar suas más tendências".

Também em "Obras Póstumas"encontramos referência à Reforma Íntima.

Vejamos :

" A questão social não tem, portanto , o seu ponto de partida na forma de tal ou tal instituição ; está inteiramente no aperfeiçoamento moral dos indivíduos e das massas . Aí está o princípio , a verdadeira chave da felicidade da Humanidade, porque então os homens não pensarão mais em se prejudicarem uns aos outros . Não basta colocar um verniz sobre a corrupção , é a corrupção que é preciso extinguir .

O princípio do aperfeiçoamento está na natureza das crenças , porque as crenças são o móvel das ações e modificam os sentimentos ; está também nas idéias inculcadas desde a infância e identificadas com o Espírito , e nas idéias que o desenvolvimento ulterior da inteligência e da razão podem fortificar , e não destruir . Será pela educação , mais ainda do que pela instrução , que se transformará a Humanidade .

O homem que trabalha seriamente pelo seu próprio aperfeiçoamento assegura a sua felicidade desde esta vida ; além da satisfação de sua consciência , isenta-se das misérias , materiais e morais , que são a conseqüência inevitável de suas imperfeições . Terá a calma porque as vicissitudes não farão senão de leve roçá-lo; terá a saúde porque não usará o seu corpo para os excessos ; será rico , porque se é sempre rico quando se sabe contentar-se com o necessário ; terá a paz da alma , porque não terá necessidades fictícias, não será mais atormentado pela sede das honras e do supérfluo , pela febre da ambição , da inveja e do ciúme ; indulgente para com as imperfeições de outrem , delas sofrerá menos ; excitarão a sua piedade e não a sua cólera ; evitando tudo o que pode prejudicar o seu próximo , em palavras e em ações , procurando, ao contrário , tudo o que pode ser útil e agradável aos outros , ninguém sofrerá com o seu contato .

Assegura a sua felicidade na vida futura , porque , quanto mais estiver depurado, mais se elevará na hierarquia dos seres inteligentes , e logo deixará esta Terra de provas por mundos superiores ; porque o mal que tiver reparado nesta vida não terá mais que reparar em outras existências ; porque , na erraticidade, não encontrará senão seres amigos e simpáticos , e não será atormentado pela visão incessante daqueles que teriam do que se lamentar dele ". Allan Kardec in “ Obras Póstumas“, Credo Espírita — Preâmbulo (FEB).

A criação deste texto, na qual procuramos colocar material referente à Reforma Íntima visa , principalmente , nos orientar e nos auxiliar na árdua tarefa da transformação moral em busca da tão sonhada evolução espiritual.


Empatia: uma atitude naturalmente sábia e compassiva


O desenvolvimento da espiritualidade nos lança em direção ao mundo: nos torna cada vez mais empáticos com os outros. Para que isto se torne realidade, precisamos inicialmente incluir em nossas atividades cotidianas uma atitude empática para conosco mesmos.

Ser empático é algo natural no ser humano: quando vemos alguém sofrendo surge espontaneamente em nós o desejo de ajudar, simplesmente porque nesses momentos reconhecemos no outro alguém como nós e nos identificamos com ele.

A palavra empatia origina-se do termo grego empátheia, que significa entrar no sentimento. Portanto, a primeira condição para sermos empáticos é sermos receptivos aos outros e simultaneamente à nossa totalidade interior. Isto significa estar disposto a conhecer tanto os outros como a si mesmo. A empatia nos ajuda a nos libertar dos nossos padrões rígidos e repetitivos.

Segundo Robert Sardello, precisamos passar por três fases distintas para desenvolver a empatia. O primeiro aspecto dessa atividade consiste em voltarmos conscientemente a nossa atenção para uma outra pessoa em uma atitude de abertura. Estendemos parte de nosso ser para além de seus limites usuais, ficamos interessados na existência e no destino da outra pessoa – mas não por curiosidade, aventura, criticismo, interesse pessoal ou poder. Para tanto, temos antes que deixar escoar os nossos pensamentos habituais sobre ela e nos permitir senti-la de um modo mais direto e intuitivo.

Uma vez que abandonamos nossas idéias preconcebidas sobre aquela pessoa e nos encontramos sintonizados com ela, podemos passar para a próxima etapa: Você se move em direção a sentir as qualidades interiores da outra pessoa sem saber ou precisar saber quais são elas, exatamente como uma criança que, antes de formar conceitos sobre o mundo, está aberta às suas impressões imediatas e qualidades interiores. Neste processo, entretanto, nem por um instante perdemos o senso de nós mesmos. O exercício não é uma fusão com a outra pessoa.

A idéia é derrubar as barreiras que nos impedem de fazer um contato mais direto e espontâneo com o outro sem nos confundirmos com ele; portanto, a terceira fase consiste em retornar à parte de nós mesmos deixada para trás enquanto encontrávamos a outra pessoa. Um eco daquilo que experimentamos enquanto residíamos no interior da outra pessoa permanece, e agora essa ressonância vive em nós como uma imagem da alma. Tal imagem pode gradualmente ser trazida ao entendimento através da contemplação.

Este exercício nos aproxima dos outros, e nos ajuda a reconhecer as diferenças e os pontos que nos unem. Empatia não quer dizer tornar-se similar ao outro. Muito pelo contrário: ela surge à medida em que nos tornamos receptivos às diferenças. Compreender o outro em sua particularidade é fundamental.

Formar parcerias torna-nos cada vez mais empáticos, pois estreitar nossos relacionamentos ajuda-nos a nos desapegarmos da visão autocentrada que gera ansiedade e solidão.

É como escreve Márcia Mattos: O fato de o outro existir junto comigo – de estar ao meu lado e de se dispor a fazer coisas comigo – me inspira a despertar qualidades que estavam inconscientes em mim. Toda personalidade se enriquece com isso. [...] Há uma poderosa química que o outro exerce sobre nós, produzindo efeitos e aflorando virtudes das quais nós sozinhos seríamos incapazes de nos apropriar.

O delicado equilíbrio entre as minhas, as suas e as nossas necessidades

Em geral, temos o hábito de olhar apenas para nossas necessidades, mesmo quando pensamos ser generosos. Esta é a razão por que é tão difícil ajudar os outros: temos dificuldade de percebê-los nas suas necessidades. Desta maneira, acabamos por criar vínculos desequilibrados e neuróticos, baseados na co-dependência.

Co-dependente é uma pessoa que tem deixado o comportamento de outra pessoa afetá-la, e é obcecada em controlar o comportamento dessa outra pessoa. Quando dizemos sim, mas na realidade queremos dizer não, quando fazemos coisas que não queremos realmente fazer, ou fazemos o que cabia aos outros fazerem, estamos sendo co-dependentes e não pacientes e nem mesmo generosos! Uma atitude co-dependente pode parecer positiva, mas, na realidade, está gerando baixa auto-estima e falta de confiança.

Em outras palavras, se ao nos dedicarmos aos outros estivermos nos abandonando, mais à frente teremos de nos confrontar com as conseqüências de nossa atitude ignorante. Reconhecer nossos limites e necessidades é tão saudável quanto a motivação de querer superá-los.

Sentir a dor do outro não quer dizer ter que repará-la. Este é nosso grande desafio: sentir a dor com o intuito de simplesmente nos aproximarmos dela, em vez de querer transformá-la de modo imediato.

É preciso deixar claro que ter empatia não tem nada a ver com a necessidade compulsiva de realizar os desejos alheios, própria dos relacionamentos co-dependentes.

Stephen Levine nos dá uma boa dica para identificarmos se nossos relacionamentos são saudáveis ou não: Na co-dependência, as balanças sempre pendem para um lado. É freqüente que um tenha de estar ‘por baixo’ para que o outro se sinta ‘por cima’. Não há equilíbrio, somente a temida gravidade. Em um relacionamento equilibrado não há um ‘outro dominante’; os papéis estão em constante mudança. Quem tiver o apoio mais estável sustentará a escalada naquele dia.

A troca equilibrada entre ceder e requisitar, dar e receber afeto e atenção nos aproxima de modo saudável das pessoas que nos cercam sem corrermos o risco de criar vínculos destrutivos. O paradoxo do relacionamento é que ele nos obriga a sermos nós mesmos, expressando sem hesitação e assumindo uma posição. Ao mesmo tempo, exige que abandonemos todas as posições fixas, bem como nosso apego a elas. O desapego em um relacionamento não significa que não tenhamos necessidades ou que não prestemos atenção a elas. Se ignoramos ou negamos nossas necessidades, cortamos uma parte importante de nós mesmos e teremos menos a oferecer ao parceiro. O desapego em seu melhor sentido significa não se identificar com as carências nem com as preferências e aversões. Reconhecemos sua existência, mas permanecemos em contato com nosso eu maior, onde as necessidades não nos dominam. A partir desta perspectiva, podemos escolher afirmar nosso desejo ou abandoná-lo, de acordo com as necessidades do momento.

A empatia começa com a capacidade de estarmos bem conosco mesmos, de reconhecermos o que não gostamos em nós e admirarmos nossas qualidades. Quanto melhor tivermos sido compreendidos em nossas necessidades e sentimentos quando éramos crianças, melhor saberemos reconhecê-las quando adultos.

Entrar em contato com os próprios sentimentos é a base para desenvolver a empatia. Como alguém que desconhece suas próprias necessidades poderá entender as necessidades alheias?


Por Bel Cesar

Posso escolher mudar todos os pensamentos que ferem


Por Dr. Jampolsky

A maioria de nós tende a esquecer que o livre-arbítrio e a possibilidade de escolher são atributos inerentes à mente. Todos já tivemos a experiência de nos sentir presos na armadilha de uma situação da qual parece que não há saída.

Aqui está uma sugestão que pode ser útil nessas circunstâncias: você pode usar a imaginação ativa para encontrar a saída.

Imagine um muro e deixe que ele represente seu problema. Pinte uma porta nesse muro e afixe um cartaz: SAÌDA. Imagine-se abrindo a porta, passando por ela e fechando-a firmemente atrás de si.

Seu problema não está com você, pois você o deixou para trás. Sinta a liberdade récem-descoberta imaginando-se num lugar além daquilo que você gostaria de realizar.

Quando estiver pronto para deixar esse refúgio tranquilo, leve com você essa nova sensação de libertação das tentativas passadas de resolver problemas. No frescor de sua nova percepção, soluções antes inacessíveis podem lhe ocorrer.


Quando percebemos as coisas não como problemas e sim como oportunidades de aprender, podemos ter uma sensação de alegria e bem-estar depois que as lições são assimiladas. As lições nunca nos são apresentadas quando não estamos prontos para prendê-las.
Em minha cabeça há pensamentos que podem me ferir ou me ajudar.

Estou constantemente escolhendo o conteúdo de minha mente, uma vez que ninguém mais pode fazer isso por mim. Posso escolher libertar-me de tudo, exceto de meus pensamentos Amorosos.
Exemplo A historinha que se segue pode ajudar a ilustrar a lição de hoje.

O episódio aconteceu em 1951 no Satnford Lane Hospital, que, naquela época, ficava em San Francisco.
A situação era uma daquelas em que me senti preso numa armadilha e imobilizado pelo medo. Sentia uma dor emocional e pensei que estava ameaçado por uma dor física em potencial.

O passado certamente influenciava minha percepção do presente e eu não estava sentindo nem um pouquinho de paz interior e felicidade.
Às duas horas da madrugada de um domingo fui chamado para atender um paciente que estava na ala psiquiátrica, que trancada, e que de repente teve um ataque de loucura furiosa.

O paciente, que eu nunca vira antes, havia sido internado na tarde anterior com um diagnóstico de esquizofrenia aguda. Uns dez minutos antes de eu vê-lo, ele havia removido o batente da porta. Olhei pela janelinha da porta e vi um homem de 1,92 metro de altura e quase 130 quilos.

Corria em volta da sala completamente nu, carregando aquele enorme pedaço de madeira com os pregos cravados e proferindo palavras sem sentido. Eu realmente não sabia o que fazer.
Havia dois enfermeiros e cada um deles mal chegava ao 1,55 metro. Eles se viraram para mim e disseram: “Nós vamos estar bem atrás do senhor, doutor.” Não achei a frase nem um pouco tranquilizadora. Enquanto eu continuava olhando pela janela, comecei a perceber o quanto o paciente estava assustado.

De repente, ocorreu-me que ele e eu tínhamos um ponto em comum que poderia levar à unidade – qual seja ambos estávamos assustados.
Sem saber mais o que fazer, gritei pela porta: “Eu sou o Dr. Jampolsky e quero entrar e ajudá-lo, mas estou com medo. Estou com medo de me machucar,e não posso deixar de perguntar se você também não está com medo.” Ao ouvir isso, ele parou de falar aquelas algaravia, virou-se e disse: “Você está certíssimo, estou com medo.”


Continuei gritando, dizendo-lhe o quanto eu estava assustado, e ele me respondia também aos gritos, dizendo o quanto ele estava assustado. Enquanto conversávamos, nosso medo desapareceu e as nossas vozes baixaram. Então, ele me deixou entrar sozinho, conversar com ele, dar-lhe um medicamento por via oral e sair.


Essa foi uma experiência de aprendizagem muito intensa e importante para mim. No começo, vi o paciente como um inimigo em potencial que ia me machucar (meu passado me disse que qualquer um que parecesse perturbado e que tivesse uma clava na mão era perigoso).

Escolhi não usar o dispositivo manipulador da autoridade, que só teria servido para criar mais medo e separação.
Quando descobri um ponto em comum – a nossa atitude de medo – e pedi ajuda com sinceridade, estabelecemos um vínculo. Depois disso estávamos em condições de ajudar um ao outro.

Quando vi o paciente como meu professor em vez de considerá-lo como um inimigo, ele me contou a reconhecer que talvez sejamos todos igualmente loucos e que só a forma da loucura seja diferente.
Hoje determino que todos os meus pensamentos se libertem do medo, da culpa e da condenação, de mim ou dos outros, ao repetir: “Posso escolher mudar todos os pensamentos que me ferem.”

Quem não conhece a desagradável sensação de estar irritado?

Por Bel Cesar

Muitas vezes nós nem nos damos conta do momento em que começamos a nos irritar. Nossos músculos tornam-se tensos, sentimo-nos abafados em nosso próprio corpo. Surge em nós a necessidade de nos movermos para extravasar algo contido, não expresso.

A irritação é energia mal parada, mal elaborada, mal direcionada. Nos tornamos impacientes, intolerantes à frustração, aos ruídos e às aglomerações. Nossa mente fica espremida, sem espaço, abafada. Sentimos calor e palpitações no coração. Qualquer estímulo surge como uma provocação: queremos distância, espaço e tempo!

Quando estamos sob o domínio da irritação, temos dificuldade em aceitar opiniões diferentes da nossa, o que aumenta nossos problemas de relacionamento. Por exemplo, escutamos alguém nos dizer algo e, antes que tenhamos compreendido o seu verdadeiro sentido, reagimos de maneira explosiva, respondendo com insultos ou até violentamente.

A irritabilidade é um conjunto de emoções associadas por semelhanças. Costumamos dizer: Fulano ou aquela coisa me irritam porque me lembram sicrano, quando....

Emoções impostas ou reprimidas na infância fazem parte do bolão de nossa irritação. Quando crianças, muitas vezes o que dizíamos não era ouvido ou nem mesmo considerado. Agora, quando nos expressamos e alguém nos trata com displicência e falta de atenção, sentimos novamente a sensação de estarmos falando sozinhos, o que nos faz sentir muito irritados!

A irritação é, portanto, um subproduto de uma forma-pensamento que por sua vez sustenta um sentimento de carência de amor. Quando irritados, nós nos sentimos mal amados e sem capacidade de dar amor. Quando irritados, não gostamos de ser acariciados e nem temos disposição para abraçar quem gostamos.

Quando a mente está acelerada e a irritação se instala, ficamos reativos, arredios. No entanto, precisamos desacelerar a mente para compreender o que se passa em nosso interior. A irritação passará à medida que compreendermos sua mensagem subliminar.

Se escutarmos com honestidade nossos próprios lamentos, poderemos observar que o pano de fundo da irritação é a sensação de estarmos sendo pressionados a aceitar algo que nos foi imposto, sem aviso prévio ou sem que estivéssemos de acordo.

Há um sentimento de termos sido invadidos com idéias abusivas: Não tenho que escutar isso ou Quem ele pensa que é para fazer isso comigo?!. Perdemos a sintonia com nós mesmos quando focamos a razão de nossa situação sob o domínio de forças alheias.

Por isso, assim que começarem a aparecer os sinais de irritação, em vez de perguntar a si mesmo O que torna esta situação tão irritante para mim?, pergunte-se: O que torna esta situação tão importante ao ponto de me perturbar assim? ou O que pode ocorrer comigo se eu continuar assim?.

Não podemos controlar as situações exteriores, mas podemos controlar como nossa mente irá reagir a elas. Em geral, a irritação passa quando conseguimos nos posicionar frente a nós mesmos. Isto é, quando recuperamos as rédeas de nossa mente.

Os pensamentos que sustentam nossa irritação terão menos poder sobre nós, se não os sobrecarregarmos de idéias apenas racionais. Isto é, não devemos levar tão a sério nossa irritação. Mesmo que tenhamos toda razão do mundo para estarmos indignados, a irritação nos sinaliza que nos afastamos de nossa essência. Ao considerarmos nosso bem-estar interior mais importante do que o peso da pressão externa, algo mágico ocorre: conseguimos rir de nós mesmos. Isso acontece porque nos conectamos com a realidade de nosso próprio paradoxo.

Outro dia, eu estava muito irritada. Quando me dei conta que estava levando a sério algo que eu considerava absurdo, comecei a rir. Pensei: Isso é tão absurdo que não é digno de ser considerado. Querendo compreender como poderia me adaptar àquela situação, estava cada vez mais presa à ela! Foi quando compreendi que o segredo estava em sair desta situação... Encontrei uma solução totalmente nova, na qual pude me desconectar da situação que me irritava.

A indignação nos prende à irritação. Muitas vezes a gente não se livra de quem nos irrita exatamente porque estamos presos ao pensamento auto-imposto de que não temos saída frente àquela situação!

É a nossa própria consciência constrangendo-nos desnecessariamente. O que quer que façamos está sendo constantemente vigiado e censurado - escreve Chögyam Trungpa Rimpoche em seu livro Além do materialismo espiritual (Ed.Cultrix), sobre a falta de humor como uma visão da ironia básica da justaposição de extremos, de modo que não somos surpreendidos levando-nos a sério, nem seriamente fazemos seu jogo de esperança e medo.

O senso de humor significa ver os dois pólos de uma situação como eles são, de um ponto de vista espacial. Há coisas boas e más e as vemos com uma visão panorâmica, como se as víssemos de cima. O senso de humor parece provir de uma alegria que tudo penetra, de uma alegria que tem espaço para expandir-se numa situação completamente aberta porque não está empenhada na batalha entre "isto" e "aquilo".

A alegria se desenvolve na situação panorâmica de ver ou sentir todo o terreno, o terreno aberto. Essa situação aberta não tem sinal de limitação ou de solenidade forçada.

Hugh Prather em seu livro Não leve a vida tão a sério (Ed. Sextante), sugere: Antes de dormir, anote as seguintes palavras e coloque-as num lugar em que possa vê-las quando acordar: nada dará certo hoje. Por isso, relaxarei e me divertirei. Pode parecer um objetivo um tanto estranho, mas ele põe em prática o que acabamos de discutir – ou seja: o essencial para a liberdade mental é ver o mundo exatamente como ele é e delicadamente recusar qualquer apelo interior ou exterior para mudar nossa natureza básica.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Submissão

Por Saul Brandalise Jr.

Primeiro vamos entender e prestar bem atenção ao sentido da palavra:

SUBMISSÃO significa estar disposto a fazer a vontade de outra pessoa, mesmo que esta vontade vá contra os nossos próprios desejos e interesses.

Ser submisso exige muita humildade, pois significa reconhecer a autoridade de outra pessoa.

A etimologia da palavra - seu sentido ORIGINAL- é "estar abaixo da missão" de outra pessoa. Mas vale lembrar que não se pode confundir ETIMOLOGIA com SIGNIFICADO, sob pena de acharmos que um PEDÓFILO é um "amigo das crianças". Assim, em escritos ANTIGOS (como a Bíblia, por exemplo) "submisso" significará "debaixo da missão", pois esse era seu sentido naquela época.

Hoje o significado é outro, e tem a ver apenas com obediência inquestionável.

Por outro lado, quem aceita a submissão pode estar sendo humilhado, pode ser um derrotado que já perdeu a vontade de viver, ou até mesmo pessoa que se acomoda e vive em uma posição inferior. Desempenha o seu dia a dia fazendo exatamente o que o outro quer sem questionar ou reclamar. Alguns estão tão acostumados a serem serviçais que tudo executam e até de maneira dócil.

Alguns casamentos acabam por isso. Um dos parceiros não se posiciona, se torna submisso e quando acha que está na hora de "gritar independência" a relação acaba. Portanto, na vida real, ser submisso é não ter opinião própria, ou ainda, ter, mas não se posicionar frente a ela. Ter medo das consequências em cima de sua postura.

Quantas coisas gostaríamos de realizar, de fazer, mas não iniciamos por submissão, por medo ou mesmo por estarmos nos acostumando ao conceito que a vida é coisa de um ser superior que tudo domina, julga e que as coisas acontecem como ele quer.

A nós caberia sermos submissos e aceitar que tudo seja da forma e maneira que ele determina. EQUIVOCO.
O processo de evolução de um ser humano exige que ele passe por todo o Zodíaco e que em cada signo aprenda as características inerentes a ele. Portanto, a submissão é o maior entrave desta evolução. É o mesmo, exemplificando, que repetir o ano em uma cara faculdade de medicina, por parte de um aluno cuja família luta muito para mantê-lo na Universidade. Um verdadeiro desperdício, portanto. Cada dia precisa ser encarado como um PRESENTE. Por isso o momento atual se chama presente.

É preciso lutar, decidir se superar a cada novo dia. Fazer com que hoje sejamos melhores que ontem e piores do que amanhã. Este é o caminho da evolução e a única maneira para conseguirmos superar os obstáculos da terra, que é conhecida como o ÚTERO DO UNIVERSO. Aqui nascemos em todos os signos. Aqui evoluímos de Áries a Peixes e desta maneira nos preparamos para a grande jornada na busca de nossa LUZ própria.

Somos DEUSES em desenvolvimento. Senhores de nossos destinos e donos de nossas verdades. Possuímos todos o mesmo potencial. Todos poderemos atingir a plenitude, mas para que isso aconteça precisamos abandonar qualquer tipo de submissão.

As pessoas que nos acompanham em uma encarnação não necessariamente serão nossos parceiros em outra. Portanto, eles representam nossos testes. Precisamos saber conviver com eles e com os problemas que causam em nossas vidas. Assim, em cada vida estaremos aprendendo o que precisamos aprender. Ninguém tem dor maior do que consegue suportar. Ninguém tem mais do que precisa para chegar à sua evolução.

Quem muito tem em uma vida pouco poderá ter em outra. Para tanto basta não saber usar, não saber conseguir. O método de como supero meus obstáculos tem que ser correto. Não posso crescer com o sofrimento do outro. É muito verdadeiro que os recursos de nossa próxima encarnação nós estamos semeando agora.

É com nossas atitudes que determinamos o nosso futuro. Temos o Livre-Arbítrio e com ele a possibilidade de mudarmos as nossas colheitas neste exato momento. Ficar submisso, portanto, é interromper esta colheita, este aprendizado.

Quantas coisas gostaríamos de realizar, mas muitas vezes nos posicionamos, submissos, à sociedade, à família, a um chefe ignorante, a uma religião, ao meio em que vivemos.

Todas as pessoas permitem tornar-se submissas. É mais fácil ser assim do que lutar. Para ser submisso basta perder o amor-próprio e achar que um deus quer assim. Ao contrário, para evoluir é preciso lutar, vencer-se, fazer as coisas de maneira correta e derrotar o nosso maior inimigo: Nós mesmos.

Hoje sou submisso a duas coisas, minha consciência e meu travesseiro. Minha consciência sou eu, com meus valores. Meu travesseiro é o meu descanso. Feliz daquele que consegue deitar e dormir... Este é o maior sinal de consciência tranqüila e... zero de submissão.

Uma atitude de auto-acusação revela auto-rejeição


Na maioria das vezes, quando estamos confusos, intensificamos nossos mecanismos de auto-rejeição: Eu não poderia estar sentindo isso!.

Rejeitamos a nós mesmos quando tentamos controlar nossos sentimentos. Rejeitamos a nós mesmos quando manipulamos nossos sentimentos, achando que deveríamos ou não estar tendo certo sentimento, ou então, quando tentamos realmente controlar as circunstâncias e as pessoas externas, escreve John Ruskan no livro Purificação emocional. E complementa: Não nos damos conta das inúmeras vezes que nos auto-rejeitamos, porque esse sentimento nos protege de sentir o que não queremos sentir. Desta forma, nos distanciamos de nós mesmos e da capacidade de nos auto-observarmos.

Para não nos distanciarmos de nós mesmos, precisamos compreender que devemos aceitar tudo o que estiver acontecendo em nosso interior, menos a auto-rejeição!

Enquanto nossa capacidade de análise estiver contaminada pelo hábito da auto-acusação, é melhor mantê-la de fora.

O segredo está em sentir cada emoção sem rotulá-la como boa ou ruim. Podemos nos tornar um testemunho ativo de nossa confusão emocional aceitando as emoções sem contrariá-las. Assim, seremos capazes de deixar a emoção surgir e se dissipar por si mesma.

Precisamos, de fato, da energia da delicadeza para sermos capazes de despertar a disponibilidade interna necessária para lidar com sentimentos que consideramos inaceitáveis e intoleráveis. Só assim, como uma árvore que suporta uma forte tempestade porque está bem enraizada, podemos manter nossos pés no chão quando nossas emoções estão confusas. Caso contrário, perderemos nosso eixo.

Sermos delicados conosco é um modo de nos aceitarmos. Auto-aceitação não significa ser condescendente com as nossas confusões emocionais. Não é preciso sermos permissivos com a confusão, mas precisamos nos permitir experimentá-la para podermos nos conhecer melhor.

Quando uma confusão emocional surgir, podemos nos propor a ficar com ela mais um pouco e perguntar-nos com delicadeza: O que está acontecendo aqui?

Sem negar o que está acontecendo, respirando algumas vezes com profundidade, podemos dar a esta experiência desconfortável um pouco mais de atenção do que usualmente somos capazes, rompendo assim o hábito de temer a sensação de si mesmo.

Muitas vezes, tememos certas emoções por receio de não suportá-las. Então, da próxima vez que nos depararmos com a idéia preconcebida de que sentir algo pode ser perigoso, podemos inverter o processo. Ao invés de evitarmos aquilo que estamos sentindo, podemos nos abrir para conhecer o que nos ameaça: o que pode acontecer de tão ruim?

Em um primeiro momento, quando percebemos a confusão emocional, sentimos um aperto no peito. Mas a intenção de nos mantermos abertos à experiência da nossa própria dor nos oferece um sentimento de expansão: temos, à frente, um novo caminho para seguir.

Descobrimos que estamos livres de nossos conflitos emocionais quando nos oferecemos uma nova chance, um novo olhar. Assim, passamos a encarar nossas emoções sob uma perspectiva mais ampla e começamos a perceber que é possível e saudável recuar e abrir espaço em torno delas.

Se nos identificamos demasiadamente com as emoções, elas passam a ter um poder ditatorial sobre nós: ditam ordens absolutas que esperam que sejam respeitadas por todos. Elas passam a nos ocupar cada vez mais e quando não somos mais capazes de manter o que sentimos em nosso espaço interior, tornamo-nos violentos. Mas, a partir do momento em que voluntariamente nos propomos a não nos identificarmos com nossas emoções, deixamos de ser reativos emocionalmente e nos tornamos ativos com relação ao nosso fluxo emocional.

Ao reconhecer que podemos fazer algo por nós mesmos, isto é, que não precisamos ser vítimas de nossas emoções negativas, começamos imediatamente a diminuir o poder que elas têm sobre nós.

O segredo para não ficarmos atolados em nossas emoções negativas é, portanto, aprender a não nos identificarmos excessivamente com elas. Podemos questionar as convicções profundas que temos a respeito de nós mesmos.

Algumas pessoas acreditam que as emoções são perigosas. Mas raramente elas são o problema: são as histórias que criamos sobre as emoções e a pouca consciência que temos delas que geram o sofrimento. Sem consciência, os sentimentos dolorosos podem se corromper e se transformar em vício ou em ódio ou degenerar para o torpor. Assim, acabamos perdendo o contato não apenas com o que é sentido, mas com a sabedoria essencial do coração. Percebemos, desta forma, que negar o que se passa em nosso interior nos mantêm afastados de nós mesmos.

Texto extraído do O livro das Emoções - Reflexões inspiradas na Psicologia do Budiscmo Tibetano de Bel Cesar, Ed. Gaia.