domingo, 25 de janeiro de 2009

Sobre opressores e oprimidos

Por Flávio Gikovate

Considero um pouco simplista a visão do homem como o opressor e da mulher como a oprimida. A análise das relações entre os gêneros hoje em dia mostrará que isso é óbvio. Porém, mesmo do ponto de vista da nossa história, penso que as generalizações deste tipo excluem importantes aspectos relacionados com a organização social.

Acho que é muito importante separarmos os humanos em membros das elites e integrantes do povo. As elites sempre oprimiram a grande maioria das populações, homens e mulheres. A vida do povo sempre foi tão desastrosa que fica difícil dizer quem é mais oprimido: se o homem que trabalhava de sol a sol para ganhar o suficiente para comer e dar de comer à sua família; ou se a mulher que tinha que cuidar de tudo na casa e ainda devia consideração ao marido.

Eram todos escravos de uma minoria que os oprimia. Não será isso verdadeiro, ainda hoje, para mais da metade da população do planeta?
As elites sempre foram constituídas de dois grupos: os mais egoístas - usualmente detentores do poder político e militar -, sempre os mais influentes na constituição das normas sociais a serem seguidas pelas próprias elites; e os mais generosos - detentores do conhecimento, guardiões das religiões e das ponderações de ordem moral - que influíam e influem muito sobre o modo de agir do povo ingênuo e dócil. Sabemos que os dois grupos de poderosos sempre rivalizaram entre si, padeceram de recíproca inveja e viveram de forma muito parecida.

Os privilégios eram divididos de forma desigual (favorecendo os egoístas, é claro), mas estavam presentes no cotidiano de todos. O discurso da elite generosa sempre foi usado pelos egoístas, donos do poder, para influenciar no modo de vida da plebe, que deveria se manter obediente e trabalhar para gerar riquezas para eles.
Sempre convivemos com dois conjuntos de regras: as que eram pregadas para serem seguidas pelo povo e as que determinavam a vida das elites.

Os casamentos não eram feitos com base no amor nem num grupo e nem no outro. O amor, quando existia, se manifestava em paralelo, fora do contexto familiar. Aí o amor e o sexo eram vivenciados no contexto das paixões. Penso que estes acontecimentos eram mais comuns entre os membros das elites do que entre os do povo, obrigados a trabalhar e a viver como escravos. Já me referi várias vezes ao fato de que as escolhas das parcerias extraconjugais eram determinadas essencialmente pelas mulheres, especialmente as mais atraentes.

O comportamento dos homens teria que estar de acordo com os critérios de admiração que elas elaboraram. Assim sendo, continuo achando que as mulheres influenciaram, e muito, na constituição dos valores que passaram a ser seguidos pelos homens mais poderosos.
Este aspecto, relacionado com o surgimento do encantamento amoroso e com o interesse sexual feminino, precisa ser mais bem entendido e talvez reavaliado. Sim, porque são muitos os casos em que fica muito difícil distinguir amor de puro interesse. Até hoje, quando as moças de 15-16 anos de idade falam dos rapazes que elas admiram e gostariam de namorar, sempre falam que eles são “os mais alguma coisa”: os mais populares, os mais ricos, os mais bonitos, os mais engraçados ou inteligentes. Faz tempo que não ouço uma moça falar que achou graça em um rapaz porque ele tem um sorriso encantador, um olhar sincero, um jeito de ser delicado.

Os critérios de admiração delas ficaram e estão até hoje profundamente comprometidos com um sutil jogo de interesses práticos. Parece que elas ainda olham para os rapazes como seres que deverão lhes ajudar a avançar, a subir um degrau na escalada social. Não pensam no companheirismo. Até hoje são estimuladas a pensar que os bons parceiros são os vencedores, aqueles que se destacam em algum aspecto relevante da vida social.
Separar de forma mais clara amor de interesse seria mais uma das sugestões que gostaria de fazer para que as pessoas possam se afastar dos padrões culturais que nos foram transmitidos. É preciso que os critérios de valor sejam levados mais a sério e que os generosos não estejam tão contaminados com os valores dos egoístas, os que construíram estes critérios.

Eles são todos extremamente superficiais, relacionados mais com a casca do que com o miolo das pessoas.


Temos que parar de valorizar tanto a beleza, a capacidade de seduzir, a competência para se destacar pela habilidade social e principalmente a condição material (efetiva ou potencial). Quem gostar de dinheiro que trate de se empenhar para conquistá-lo; não cabe usar os relacionamentos afetivos para resolver este problema. Parceiros sentimentais admiráveis são aqueles que nos alimentam e gratificam emocionalmente. São os que nos tratam com carinho, consideração e nos cercam de gentilezas. Devem ser pessoas suficientemente maduras para esperarem o mesmo de nós. E mais nada.

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