Você sente que recebeu amor suficiente quando era criança? Cada um, a seu modo, tem uma história para contar... Basta escutar os enredos que surgem quando sonhamos dramas baseados no abandono e na carência afetiva. Há sonhos - ou melhor, pesadelos - que nos paralisam na sensação de uma intensa dor sem saída: resta-nos apenas a esperança de que um herói, que tenha coragem no coração, venha nos salvar! Apesar dessa força extra encontrar-se em nosso interior, nós a projetamos para fora de nós. Este é um hábito mental que desenvolvemos quando ainda éramos crianças.
É como escreve o mestre budista Tarthang Tulku em seu livro A mente oculta da liberdade: “À maioria de nós foi ensinado que o amor se acha fora de nós mesmos – é algo a ser obtido. Por isso, quando o encontramos, nós o agarramos firmemente, como se não houvesse o suficiente para todos. No entanto, na medida em que o amor se torna apego egoísta, nós nos isolamos da verdadeira intimidade. O amor mais gratificante que podemos vivenciar é o que já existe dentro de nós, no coração de nosso ser. Aí se encontra uma infinita fonte de calor, que podemos usar para transformar nossa solidão e infelicidade. Ao entrar em contato com essa energia nutriente, descobrimos os recursos interiores necessários para sermos verdadeiramente responsáveis pelo nosso próprio crescimento e bem-estar”.
Mensagens como essa são um estímulo de coragem e libertação para aqueles que já se sentem comprometidos com o caminho da transformação interior. Mas temos que admitir que enquanto estivermos presos à dor da carência e da falta de amor, não será suficiente saber racionalmente que sofremos porque não sabemos amar verdadeiramente.
Será preciso reviver a dor do abandono sob um novo prisma para superá-la.
Racionalizar a dor emocional faz parte do processo para curá-la, mas, em si, não é uma experiência capaz de gerar uma mudança autêntica e profunda.
Portanto, devemos partir do pressuposto de que não há nada de extraordinário no fato de admitir que recebemos amor insuficiente quando éramos crianças. Pois será a partir da aceitação desta falta que iremos encontrar forças para resgatar nosso amor interior.
Eva Pierrakos e Judith Saly dedicaram todo um capítulo a esta questão em seu livro Criando união (Ed. Cultrix). Elas escrevem: “Como as crianças muito raramente recebem suficiente amor maduro e bondade, elas continuam a ansiar por ele durante toda a vida, a menos que a falta e a mágoa sejam reconhecidas e devidamente manejadas. Caso contrário, os adultos seguirão pela vida chorando inconscientemente pelo que não tiveram na infância. Isso fará deles pessoas incapazes de amar com maturidade. Vocês podem ver como esta situação passa de geração em geração”.
Podemos não parar para pensar sobre como anda nosso fluxo de contabilidade do amor em nosso interior. Mas é importante nos conscientizarmos do forte elo que existe entre as nossas ansiedades de infância e as dificuldades afetivas que enfrentamos enquanto adultos.
O ponto de partida para romper esta linhagem de amor imaturo encontra-se num exercício de mão dupla: se por um lado passamos a nos abrir para aceitar o fato de que nos faltaram experiências significativas de reconhecimento de afeto, por outro, ficamos cientes de que esses sentimentos de carência e abandono não nos levarão a lugar nenhum. Isto é, a intenção de admitir a dor está vinculada à decisão de superá-la, e não de recriá-la!
Remoer a dor infantil sem a correspondente vontade de sair dela é como andar para trás, isto é, estaremos repetindo assim apenas os padrões emocionais já conhecidos em vez de refinar nossa alma.
A dinâmica do querer ser amado transforma-se no desejo de amar quando nos conscientizamos de uma vez por todas de que não adianta querermos que as coisas sejam diferentes ou que as pessoas aprendam a amar com maturidade para sermos mais bem servidos em matéria de amor.
Quando nos dispomos a amar verdadeiramente, damos inicio à jornada do amor maduro. Esta é uma bela frase; no entanto, só terá sentido quando nos propusermos a redirecionar nossas emoções de abandono e carência, isto é, quando não temermos mais sentí-las.
É preciso voltar ao local do crime para desvendar o mistério. As autoras Eva Pierrakos e Judith Saly revelam, no livro Criando união, um método de autoconhecimento para aplicarmos nos momentos em que reconhecermos, por trás de nossa raiva, frustração e ansiedade, a dor de não termos sido amados na infância: “Quando sentirem a dor de não serem amados no problema atual, ela servirá para despertar a dor da infância. Pensando na dor presente, voltem ao passado e tentem reconsiderar a situação com seus pais: o que eles lhe deram, o que vocês sentiam de fato por eles. Vocês perceberão que, sob muitos aspectos, sentiam falta de algumas coisas que nunca viram antes com clareza - porque não queriam ver. Vocês descobrirão que essa carência deve ter sido dolorosa na infância, mas a mágoa pode ter sido esquecida no nível consciente. No entanto, ela absolutamente não está esquecida. A dor causada pelo problema atual é exatamente a mesma dor do passado. Agora, reavaliem a dor atual, comparando-a com a da infância. Finalmente, será possível perceber que ambas são uma só. [...] Depois de sincronizar as duas dores e perceber que elas são uma só, o passo seguinte é muito mais fácil”.
A cura, então, surge na medida em que reconhecemos que não somos mais tão indefesos diante da dor quanto pensávamos na infância. Como completam as autoras: “Já não precisarão ser amados como precisavam na infância. Primeiro, vocês adquirem consciência de que é isso o que ainda desejam, e depois já não buscam esse tipo de amor. Como vocês não são mais crianças, buscarão o amor de forma diferente, dando em vez de esperar receber”.
Quando filtramos a dor emocional por meio dos recursos já adquiridos na atualidade, vamos mesclando à dor passada a compreensão que nos faltava. Desta maneira, a necessidade de ser reconhecido pode ser substituída pela autovalidação. Do mesmo modo, a necessidade de expressar as emoções contidas poderá encontrar novos recursos de comunicação. Passamos a selecionar melhor as pessoas, e as situações nas quais poderemos finalmente nos tornar criativos e contribuir com nossa individualidade para o crescimento coletivo.
Em resumo, precisamos aprender a não temer nossas emoções fragilizadas pela falta de amor. Ao sentí-las, poderemos simplesmente nos posicionar positivamente e dizer: “OK, naquela época eu não tinha recursos para lidar com esta falta, por isso passei a pensar que não havia nada a fazer senão esperar passivamente por amor. Agora, posso agir, pois tenho minha consciência a meu favor, assim como a vontade de amar cada vez mais e melhor”.
É como escreve o mestre budista Tarthang Tulku em seu livro A mente oculta da liberdade: “À maioria de nós foi ensinado que o amor se acha fora de nós mesmos – é algo a ser obtido. Por isso, quando o encontramos, nós o agarramos firmemente, como se não houvesse o suficiente para todos. No entanto, na medida em que o amor se torna apego egoísta, nós nos isolamos da verdadeira intimidade. O amor mais gratificante que podemos vivenciar é o que já existe dentro de nós, no coração de nosso ser. Aí se encontra uma infinita fonte de calor, que podemos usar para transformar nossa solidão e infelicidade. Ao entrar em contato com essa energia nutriente, descobrimos os recursos interiores necessários para sermos verdadeiramente responsáveis pelo nosso próprio crescimento e bem-estar”.
Mensagens como essa são um estímulo de coragem e libertação para aqueles que já se sentem comprometidos com o caminho da transformação interior. Mas temos que admitir que enquanto estivermos presos à dor da carência e da falta de amor, não será suficiente saber racionalmente que sofremos porque não sabemos amar verdadeiramente.
Será preciso reviver a dor do abandono sob um novo prisma para superá-la.
Racionalizar a dor emocional faz parte do processo para curá-la, mas, em si, não é uma experiência capaz de gerar uma mudança autêntica e profunda.
Portanto, devemos partir do pressuposto de que não há nada de extraordinário no fato de admitir que recebemos amor insuficiente quando éramos crianças. Pois será a partir da aceitação desta falta que iremos encontrar forças para resgatar nosso amor interior.
Eva Pierrakos e Judith Saly dedicaram todo um capítulo a esta questão em seu livro Criando união (Ed. Cultrix). Elas escrevem: “Como as crianças muito raramente recebem suficiente amor maduro e bondade, elas continuam a ansiar por ele durante toda a vida, a menos que a falta e a mágoa sejam reconhecidas e devidamente manejadas. Caso contrário, os adultos seguirão pela vida chorando inconscientemente pelo que não tiveram na infância. Isso fará deles pessoas incapazes de amar com maturidade. Vocês podem ver como esta situação passa de geração em geração”.
Podemos não parar para pensar sobre como anda nosso fluxo de contabilidade do amor em nosso interior. Mas é importante nos conscientizarmos do forte elo que existe entre as nossas ansiedades de infância e as dificuldades afetivas que enfrentamos enquanto adultos.
O ponto de partida para romper esta linhagem de amor imaturo encontra-se num exercício de mão dupla: se por um lado passamos a nos abrir para aceitar o fato de que nos faltaram experiências significativas de reconhecimento de afeto, por outro, ficamos cientes de que esses sentimentos de carência e abandono não nos levarão a lugar nenhum. Isto é, a intenção de admitir a dor está vinculada à decisão de superá-la, e não de recriá-la!
Remoer a dor infantil sem a correspondente vontade de sair dela é como andar para trás, isto é, estaremos repetindo assim apenas os padrões emocionais já conhecidos em vez de refinar nossa alma.
A dinâmica do querer ser amado transforma-se no desejo de amar quando nos conscientizamos de uma vez por todas de que não adianta querermos que as coisas sejam diferentes ou que as pessoas aprendam a amar com maturidade para sermos mais bem servidos em matéria de amor.
Quando nos dispomos a amar verdadeiramente, damos inicio à jornada do amor maduro. Esta é uma bela frase; no entanto, só terá sentido quando nos propusermos a redirecionar nossas emoções de abandono e carência, isto é, quando não temermos mais sentí-las.
É preciso voltar ao local do crime para desvendar o mistério. As autoras Eva Pierrakos e Judith Saly revelam, no livro Criando união, um método de autoconhecimento para aplicarmos nos momentos em que reconhecermos, por trás de nossa raiva, frustração e ansiedade, a dor de não termos sido amados na infância: “Quando sentirem a dor de não serem amados no problema atual, ela servirá para despertar a dor da infância. Pensando na dor presente, voltem ao passado e tentem reconsiderar a situação com seus pais: o que eles lhe deram, o que vocês sentiam de fato por eles. Vocês perceberão que, sob muitos aspectos, sentiam falta de algumas coisas que nunca viram antes com clareza - porque não queriam ver. Vocês descobrirão que essa carência deve ter sido dolorosa na infância, mas a mágoa pode ter sido esquecida no nível consciente. No entanto, ela absolutamente não está esquecida. A dor causada pelo problema atual é exatamente a mesma dor do passado. Agora, reavaliem a dor atual, comparando-a com a da infância. Finalmente, será possível perceber que ambas são uma só. [...] Depois de sincronizar as duas dores e perceber que elas são uma só, o passo seguinte é muito mais fácil”.
A cura, então, surge na medida em que reconhecemos que não somos mais tão indefesos diante da dor quanto pensávamos na infância. Como completam as autoras: “Já não precisarão ser amados como precisavam na infância. Primeiro, vocês adquirem consciência de que é isso o que ainda desejam, e depois já não buscam esse tipo de amor. Como vocês não são mais crianças, buscarão o amor de forma diferente, dando em vez de esperar receber”.
Quando filtramos a dor emocional por meio dos recursos já adquiridos na atualidade, vamos mesclando à dor passada a compreensão que nos faltava. Desta maneira, a necessidade de ser reconhecido pode ser substituída pela autovalidação. Do mesmo modo, a necessidade de expressar as emoções contidas poderá encontrar novos recursos de comunicação. Passamos a selecionar melhor as pessoas, e as situações nas quais poderemos finalmente nos tornar criativos e contribuir com nossa individualidade para o crescimento coletivo.
Em resumo, precisamos aprender a não temer nossas emoções fragilizadas pela falta de amor. Ao sentí-las, poderemos simplesmente nos posicionar positivamente e dizer: “OK, naquela época eu não tinha recursos para lidar com esta falta, por isso passei a pensar que não havia nada a fazer senão esperar passivamente por amor. Agora, posso agir, pois tenho minha consciência a meu favor, assim como a vontade de amar cada vez mais e melhor”.
Bel Cesar é terapeuta e dedica-se ao atendimento de pacientes que enfrentam o processo da morte.
Autora dos livros Viagem Interior ao Tibete, Morrer não se improvisa, O livro das Emoções e Mania de sofrer pela editora Gaia.
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