domingo, 21 de novembro de 2010

Superando Tragédias



Momentos difíceis podem e devem ser utilizados como instrumentos de amadurecimento, transformação, aperfeiçoamento, evolução e de tantos outros ganhos; isto se quem os vivenciar for dotado de resiliência, uma vez que os mesmos momentos difíceis são também capazes de produzir desilusão, revolta, desânimo, prostração e incontáveis perdas. Neste aspecto, é bem-vinda a sabedoria popular quando declara que "o mesmo Sol que endurece o barro derrete a cera".

Os benefícios ou malefícios de uma dificuldade, seja em que área for, dependerão sempre da atitude tomada, da postura proativa ou reativa em relação à mesma. Por mais aparentemente prejudicial que seja um acontecimento, continuará em nossas mãos a escolha da atitude a ser assumida face ao ocorrido. Algumas tragédias fogem totalmente ao controle; entretanto, o juízo de valor, o sentimento nutrido e as ações resultantes, serão sempre fruto de escolhas.

Portanto, há vitórias que empobrecem e há derrotas que enriquecem. Há perdas que são verdadeiros ganhos e há ganhos que são grandes perdas. Neste aspecto, é possível afirmar que Marina, a candidata do PV à presidência da república, saiu "enriquecida por sua promissora derrota".

Enquanto acompanhava o bem sucedido resgate dos trinta e três mineiros no Chile, me lembrei da vergonhosa tragédia que vitimou cento e dezoito marinheiros a bordo do submarino nuclear russo, Kursk. No que tange ao episódio russo, é possível dizer que o velho regime afundou com o submarino; por outro lado, no que diz respeito ao Chile, o governo e o povo saíram fortalecidos, os mineiros foram salvos e o país ganhou em visibilidade e respeitabilidade.

Ainda em relação à tragédia com os marinheiros russos, na sua maioria jovem, continua a ecoar na lembrança de muitos o questionamento de Valentina Avliene, mãe do cozinheiro do Kursk, um garoto de 20 anos, quando disse "antigamente o povo russo era punido por trair o Estado. Mas por que nada acontece quando o Estado trai o povo?" Entendo que tal declaração não possui prazo de validade e nem se aplica a um único regime político.

Quanto ao Chile, a prontidão em admitir o desastre, a eficiência e agilidade da ação, a busca de ajuda em países competentes, a liberdade de imprensa, a transparência dos procedimentos, a valorização da vida humana e a capacidade de enxergar em um desmoronamento uma oportunidade de redenção, protagonizaram um reality show que emocionou o mundo, com direito a final feliz.

O Chile é um país vizinho que gratuitamente sempre admirei e que agora, além do povo, geografia e topografia que tanto me encantam, possui mais essa história de superação, que dificilmente será esquecida.

Quanto aos mineiros resgatados, alguns aproveitarão ao máximo o acontecimento e expandirão seus horizontes. Outros ficarão ligados ao passado e, ainda que fisicamente libertos do subsolo, permanecerão presos aos acontecimentos dos dias de confinamento. Outros ainda, simplesmente retornarão ao trabalho, dando continuidade à vida, com pouca ou nenhuma alteração. Haverá aqueles que ressignificarão radicalmente o sentido da própria existência. Alguns aproveitarão ao máximo a repentina fama, enquanto outros terão muita dificuldade de conviver com ela. Creio ser um grande projeto acompanhar a seqüência de acontecimentos na vida de cada um.

Independentemente da forma como aproveitarão o acontecimento, é possível nos beneficiarmos com algumas lições valiosas, pois, semelhantemente à presidenciável Marina, aos marinheiros russos e aos mineiros chilenos, também enfrentamos naufrágios,derrotas e desmoronamentos. Impossível passarmos pela Terra sem nos confrontarmos com estas realidades. Em si, elas são destituídas de juízo de valor, de importância, de significado; revesti-las de significado, de importância, é escolha e tarefa pessoal.

Antes de qualquer coisa, para superar os obstáculos é necessário buscar sobreviver da melhor forma possível, enquanto durar a adversidade. Buscar cuidar da saúde psíquica, física, emocional, espiritual, é fundamental. É preciso sobreviver para continuar a viver e, quanto mais saudável for esta sobrevivência, melhor.

É preciso ter em mente que o sofrimento tem o bom hábito de trazer consigo o germe da evolução. Por isso é fundamental entendê-lo como preciosa oportunidade de reciclagem existencial, de aprendizado e de expansão.

Os "desmoronamentos" têm o poder de nos tirar da zona de conforto. É comum mantermos uma situação por comodismo e medo de mudanças, permanecermos agarrados a circunstâncias desgastantes, geradoras de sofrimentos e perdas. Por medo de enfrentar as crenças pessoais, os julgamentos da família, da religião e da sociedade, abafam-se os gemidos e engolem-se as lágrimas. Nestas circunstâncias, os desmoronamentos são dádivas dos céus que emprestam a coragem necessária para a decisão, para a mudança, para a libertação e novos começos.

Nos "naufrágios" e "desmoronamentos" é importante ter-se humildade para buscar ou aceitar ajuda especializada. Grosso modo, é possível dizer que o orgulho e a truculência russa fizeram perecer cento e dezoito marinheiros, enquanto que a humildade do governo chileno, que o levou a buscar ajuda, salvou preciosas vidas. Sempre existirá alguém especializado para nos levar a sair dofundo do poço; entretanto, é preciso buscar ajuda e deixar ser ajudado.

Finalizando, cabe aqui ainda uma pergunta: o que tornou o episódio com os mineiros chilenos tão diferenciado? É evidente que não foi o fato em si, pois desmoronamentos de minas acontecem com freqüência, com resgate ou não de mineiros. Tão pouco se deve ao fato dos mineiros chilenos serem superiores ou inferiores intelectualmente, profissionalmente ou em qualquer outro quesito. A diferença recai no uso positivo do que se apresenta de forma negativa, ou seja, a capacidade de transformar perdas em ganhos.

Conta-se que uma das maiores jazidas de diamantes na África se mostrou a partir de desmoronamentos provocados por uma violenta tempestade. Talvez o governo chileno conheça esta história, pois, também soube transformar uma tragédia em uma fonte de riqueza.

O poder da alquimia continua disponível para quem crê e sabe usar.

Por Oliveira Fidelis Filho


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